O cientista
social Fernando Rossetti, 42, tem uma longa trajetória
na área de educação: foi um dos fundadores
da ONG Cidade Escola Aprendiz, da qual foi diretor executivo
durante quatro anos. Além disso, atuou como jornalista
na Folha de S. Paulo, cobrindo principalmente a área
de educação, ao longo da década de 1990,
período em que foi homenageado com o Grande Prêmio
Ayrton Senna de Jornalismo e com o título de Jornalista
Amigo da Criança, concedido pela Agência de Notícias
dos Direitos da Infância – Andi.
Hoje, Rossetti é diretor executivo do Grupo de Institutos,
Fundações e Empresas – Gife e comentarista
do Canal Futura. Por ocasião do Diálogo de Fundações,
Redes Sociais e o Governo Brasileiro, evento relevante para
as diversas instituições que atuam no terceiro
setor no Brasil, organizado pelo Banco Mundial (Bird) e pelo
European Foundation Centre, ele concedeu esta entrevista ao
Cidadania-e, sempre reiterando a importância da articulação
entre as fundações, redes sociais e governo
para o desenvolvimento social.
Cidadania-e: Como a realização desse
Diálogo pode influenciar a atuação das
fundações brasileiras?
Fernando Rossetti: Esse evento abre uma possibilidade para
que fundações brasileiras, internacionais e
o governo brasileiro possam dialogar em conjunto sobre as
questões do desenvolvimento nacional e apresentar suas
agendas específicas. Um dos fatores que vêm afetando
o trabalho das fundações em particular é
uma certa descontinuidade nas políticas públicas
do campo social, que vêm mudando muito, de acordo com
o governo que está no aparelho do Estado. Então,
o Diálogo tem um papel importante na interlocução
com o Estado no sentido de buscar a transformação
das políticas públicas de educação,
de saúde e mesmo de cultura em políticas do
Brasil e não deste ou daquele governo, o que dá
mais estabilidade e permite enfrentar melhor os desafios sociais
brasileiros. Além disso, um dos desdobramentos desse
encontro é a aliança do Gife com o European
Foundation Center, o que vai permitir um maior intercâmbio
de informações, experiências e pesquisas
entre fundações brasileiras e fundações
internacionais.
Cidadania-e: Quais os principais desafios que as
fundações encontram para promover o desenvolvimento
sustentável?
Fernando Rossetti: O ambiente legal e tributário é
uma questão-chave que as fundações, em
particular as que compõem o Gife, precisam trabalhar
em conjunto com o Estado: o aperfeiçoamento dos sistemas
de leis e de tributação, que, hoje em dia, muitas
vezes dificultam o investimento social privado – ou
não taxam onde poderiam taxar ou taxam onde não
poderiam.
Esses mecanismos legais poderiam ser aperfeiçoados
para que, por exemplo, as transferências de uma fundação
para uma ONG, ou então de uma fundação
internacional para uma nacional, fossem facilitadas. Outro
ponto que pode ser destacado é a continuidade das políticas
públicas, pois boa parte das fundações
trabalha com grandes projetos de educação, saúde,
e depende dessa estabilidade para ter um melhor desempenho.
O terceiro ponto é o próprio Diálogo,
que é um desafio considerável para o Brasil,
não só para as fundações: reunir
atores tão diferentes, com culturas e perspectivas
diversas, para discutir o desenvolvimento no país.
Mais de 90% dos associados do Gife trabalham em parceria,
seja com outras ONGs, seja com governo ou empresas, e mesmo
com esse índice o diálogo é sempre um
desafio.
Cidadania-e: No Brasil, existe algum tipo de concorrência
entre as fundações?
Fernando Rossetti: Existe concorrência, já que
muitas vezes as fundações surgem de empresas
que têm natureza de trabalho semelhante e concorrem
no mercado. Mas o fato de o Gife existir, por exemplo, mostra
que há uma disposição destas fundações
para um diálogo. Elas percebem que sozinhas, com seus
projetos, não é possível transformar
a realidade social. Como um empresário, uma fundação
privada investe seus recursos no campo social e o que ela
quer é o maior impacto possível, a maior transformação
possível e com a maior duração possível.
Isso só acontece dialogando e se reunindo com os outros
que estão atuando nesse campo. Há um raciocínio
diferente, e não é uma mudança somente
legal que deve acontecer: é uma questão cultural
de se valorizar o diálogo e a articulação
dos investimentos sociais privados e dos investimentos públicos
no campo social, para que de fato a gente consiga transformações
sociais maiores, mais consistentes e mais permanentes no campo
social.
Cidadania-e: Até que ponto o poder público
está presente para solucionar os problemas sociais
e em que ponto ele falta?
Fernando Rossetti: É uma questão complexa.
Quando se pensa em poder público no Brasil, a gente
tem que incluir municípios, estados e governo federal,
ou seja, um aparelho diverso. Podem acontecer desde situações
em que o governante tem o seu próprio projeto e não
articula com os outros setores – e, se estes quiserem
se incluir, eles têm que entrar num projeto pré-montado
– até situações, citando o extremo
oposto, em que se discute muito, com todos os atores, e não
se consegue fechar projeto algum. Entre todas essas experiências,
também podem ser encontradas experiências positivas
de atuação conjunta da sociedade civil, da fundação
e do poder público.
Cidadania-e: O senhor poderia citar um exemplo positivo
em que houve essa parceria?
Fernando Rossetti: Dos mais de 70 associados do Gife, existem
muitos projetos que conseguem articular poder público,
fundação e sociedade civil e é até
difícil citar um exemplo sem desmerecer outro. Mas
posso citar a idéia das tecnologias sociais, da Fundação
Banco do Brasil, que é a de identificar tecnologias
sociais e conseguir transformá-las em políticas
públicas e em projetos de maior escala. Esse projeto
é um exemplo de como é necessária a parceria,
porque não é só a fundação,
não é só a ONG que desenvolve, não
é só o poder público que vai executar:
são todos os atores sociais em conjunto.
Cidadania-e: Quais as principais metas das fundações
para 2005?
Fernando Rossetti: As metas do Gife são, além
de aprofundar a discussão do marco legal e tributário
que envolve a atuação das fundações
e institutos, desenvolver mecanismos mais eficientes de aferir
os resultados dos investimentos sociais privados. É
evidente que as organizações que atuam no terceiro
setor têm uma autonomia muito grande, com projetos diversos,
e não dá para dizer uma meta única para
elas. Mas a tendência é caminharmos para uma
evolução nos projetos sociais.
Cidadania-e: A desigualdade social brasileira tem
um prazo para acabar, na sua avaliação?
Fernando Rossetti: Na nossa visão, é o mais
rápido possível. Depende a partir de que perspectiva.
Até onde eu sei, nenhum dos atores fixou um prazo.
O prazo mais amplo que já existe é o das metas
do milênio, até 2015, que tem algumas metas claras
estabelecidas pelas Nações Unidas. O Brasil
é um dos associados. Há este prazo no plano
internacional, mas no Brasil não há, por parte
nem do governo nem das organizações. A questão
é que as mudanças sociais não são
simples, envolvem mudanças culturais, mais amplas.
Daí a necessidade de políticas públicas
consistentes e contínuas, acima deste ou daquele governo.
São políticas públicas da sociedade brasileira,
do Estado brasileiro.
Cidadania-e: Nesse caminho para a igualdade social,
em que ponto nós estamos?
Fernando Rossetti: Estamos num ponto muito especial e esse
Diálogo de Fundações mostra isso. Nos
tivemos todo um período de redemocratização
do país a partir da década de 1980, quando novos
atores sociais ingressaram no trabalho social, no campo público,
e as fundações corporativas que o Gife representa
estão neste momento mostrando a que vieram. As ONGs
vêm trazendo sua competência em executar certos
projetos; o governo, em alguns lugares do país, mostra
gestões mais técnicas e aplica consistentes
políticas públicas; as fundações
e os institutos, muito mais profissionalizados, vêm
buscando parcerias ao entenderem que sozinhos não vão
conseguir resolver os desafios sociais brasileiros. Então,
acho que é um momento de grande amadurecimento da sociedade
brasileira como um todo, especialmente no terceiro setor,
área que teve um boom no começo da década
de 1990 e hoje está se profissionalizando, com bons
profissionais, planejamento, monitoramento e avaliação
de projetos, preocupando-se com a relação com
as políticas públicas. Então não
é mais um mosaico de pequenos projetinhos: o terceiro
setor é um ator social importante, que está
se articulando às políticas públicas.
AMANDA VIEIRA
do site da Fundação banco do Brasil
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