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Numa rua tranqüila de Ermelino
Matarazzo, na zona leste, uma faixa se destaca diante do posto
de saúde local: "Estamos sem salário, trabalhando
voluntariamente."
Há meses uma espécie de autogestão de
profissionais e usuários vem mantendo o centro. Ali
funcionava -e tenta continuar funcionando- um Caps-AD, Centro
de Atenção Psicossocial para tratamento de dependentes
de álcool e drogas.
Em novembro passado, a prefeitura rompeu o convênio
com a ONG que tocava o Caps alegando desinteresse e falta
de competência por parte de seus diretores. A Secretaria
Municipal da Saúde disse que um outro Caps-AD seria
aberto no bairro, o que não aconteceu até agora.
A equipe do Caps-AD do Jardim Ângela, na zona sul, que
antes tinha convênio com a Universidade Federal de São
Paulo, está desde fevereiro sem receber pagamento da
prefeitura.
São Paulo tem mais de 400 mil dependentes de álcool
e um número não conhecido de dependentes de
drogas. A rede pública tem 10 Caps-AD. Se funcionassem
com equipe completa, poderiam atender, no máximo, 2.000
pessoas por mês.
"Pelo menos quatro dos Caps-AD não estão
funcionando, e em muitos faltam psiquiatras", diz o biólogo
Sérgio Oliva Castilho, 36, ex-dependente de drogas
e que hoje gerencia o Caps-AD de Ermelino Matarazzo. "As
filas de esperam chegam a meses", diz o psicólogo
Sérgio Luís Ferreira, coordenador do Caps-AD
do Jardim Ângela. "Sobrevivemos graças ao
apoio da Sociedade Santos Mártires, do padre Jaime
Crowe." Até agora, o posto só tinha um
médico aos sábados. A partir desta semana, terá
uma psiquiatra 10 horas por semana. O local acompanha cerca
de 200 dependentes, a maioria de álcool.
O médico Tikanori Kimanoshita, responsável pela
saúde mental da Secretaria Municipal da Saúde,
diz que os serviços estão se expandindo "aos
poucos" e que mais profissionais estão em processo
de contratação. "Muitos não querem
se tratar. Precisamos mudar a cultura", ele diz.
Desde 1998, portaria do Ministério da Saúde
determina que os Caps-AD recebam dinheiro do SUS e das prefeituras,
e que trabalhem em parceria com ONGs.
Rompimento
O Caps de Ermelino foi aberto em março de
2003 e chegou a receber a visita da prefeita Marta Suplicy
depois que se firmou como referência. Os responsáveis
pelo centro dizem que a resistência começou com
a mudança na coordenação de saúde
da subprefeitura local. Com o fim do convênio, cerca
de 20 profissionais -entre eles um clínico, dois psicólogos,
um auxiliar de enfermagem e quatro técnicos- passaram
a trabalhar voluntariamente. Um empresário do bairro
assumiu o aluguel do local, mas os equipamentos da prefeitura
-móveis e computadores- continuam no posto. Uma ação
vem sendo movida para recuperar esses bens.
"Há dependentes de todos os bairros que nos procuram",
diz Sérgio Castilho. Seu trabalho começou como
redutor de danos na região, trocando seringas com dependentes
de drogas injetáveis. Usuários também
foram incluídos no programa, porque conheciam as "bocadas"
e eram recebidos sem desconfiança pelos dependentes.
"Ao ganhar auto-estima, eles passaram a freqüentar
os serviços de saúde", diz Castilho. "Como
muitos começaram a procurar tratamento, abrimos esse
Caps-AD de Ermelino."
AURELIANO BIANCARELLI
da Folha de S.Paulo
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