Moradora de Guaianases, na periferia
da zona leste de São Paulo, Jucileide Maria dos Santos
Gabriel, 42, que se locomove em cadeira de rodas, esperava
conquistar sua "libertação" daqui
a dois meses, quando, conforme contratos assinados com a Prefeitura
de São Paulo, as empresas de ônibus e os perueiros
deveriam disponibilizar ao menos um veículo adaptado
para portadores de deficiência em cada linha do sistema
de transporte na capital paulista.
Hoje Jucileide é obrigada a sair sempre acompanhada
do genro, um jovem forte de 23 anos, que a carrega nos braços
e a coloca dentro de ônibus e lotações
convencionais, sem elevadores, no caminho do hospital, onde
faz tratamento duas vezes por semana.
A mudança na condição de dependência,
que era certeza contratual na licitação de R$
14,7 bilhões concluída em 2003, agora depende
da sorte: o governo Marta Suplicy (PT) desistiu de exigir
dos operadores a presença de ao menos um veículo
adaptado por trajeto a partir de 2 de outubro.
A versão da prefeitura é de que trocou de opinião,
após passar dois anos e meio elaborando as regras da
concorrência, por uma razão nobre: em vez de
disponibilizar ao menos um ônibus ou microônibus
com essas características em todas as 977 linhas do
sistema municipal, será melhor, defende ela, oferecer
um serviço com mais regularidade, porém em número
menor de percursos.
O critério do que significa esse serviço com
mais regularidade e a quantidade de ônibus que será
necessária ainda não estão claros. E
ninguém sabe se as linhas que Jucileide Gabriel precisaria
estarão na rota das escolhidas.
Sem essa mudança de visão do governo petista,
viações e perueiros dificilmente cumpririam
as exigências da licitação. Motivo: hoje
a cidade tem 496 linhas com pelo menos um ônibus adaptado
e, para atingir a meta, seria preciso praticamente dobrar
essa quantidade nos próximos dois meses, comprando
mais veículos com elevadores e pisos acessíveis
do que os adquiridos desde 2001.
O custo de um ônibus adaptado varia de 30% a 35% acima
de um convencional, ficando próximo de R$ 200 mil,
segundo José Antonio Fernandes Martins, presidente
da Fabus (Associação Nacional dos Fabricantes
de Carroçarias para Ônibus). "Não
há dificuldade técnica nenhuma para quem fabrica.
Mas a instalação só é viável
economicamente em ônibus novos. E, sem compensação
tarifária, é inviável", afirma ele.
O diagnóstico de Martins traz uma expectativa pessimista
para a situação paulistana, já que, nos
últimos quatro anos, mais de metade da frota foi renovada
-8.098 ônibus e microônibus foram comprados, 67%
dos quais em 2003 e 2004, mas somente 5% com adaptações
para deficientes. Nos demais 95%, mesmo novos, os ajustes
já seriam "inviáveis".
A obrigatoriedade de um ônibus ou microônibus
adaptado em cada linha também é prevista por
uma decisão judicial de abril em última instância.
A sentença foi resultado de uma ação
do Ministério Público Estadual ainda durante
a gestão Celso Pitta. O prazo para atendê-la
é de 180 dias, sob pena de multa diária de um
salário mínimo -R$ 260.
Para tentar evitar a multa, a Secretaria Municipal dos Transportes
foi atrás nos últimos dias do promotor Júlio
Cesar Botelho, do Grupo de Proteção à
Pessoa Portadora de Deficiência, para negociar novas
regras e cronogramas.
Eles vão se reunir neste mês, mas Botelho afirma
que aceita somente "algo que seja melhor do que um ônibus
por linha".
A decisão da prefeitura de mudar os critérios
enfrenta a resistência de entidades ligadas aos portadores
de deficiência. Elas avaliam que é indispensável
garantir ao menos um veículo mesmo nos trajetos de
menor demanda, sob pena de deixar definitivamente enclausurados
os que morarem longe das linhas adaptadas.
"É um retrocesso", afirma Galdino Oliveira
Teixeira, presidente da Associação em Defesa
dos Direitos de Pessoas Deficientes e Mobilidade Reduzida,
ressaltando a importância de haver ônibus acessíveis
próximos de casa, até mesmo pela dificuldade
de locomoção nas calçadas.
"Vai ser mais fácil cometer injustiças",
afirma Doralice Simões, presidente do Conselho Municipal
da Pessoa Deficiente, questionando quais serão os critérios
para definir os trajetos preferenciais.
No Brasil, pelo Censo 2000, 14,5% da população
é portadora de deficiência, 26% com dificuldade
física ou motora -em São Paulo, seriam ao menos
400 mil.
O problema de acessibilidade no transporte também atinge
a rede metroviária, onde só 35 das 52 estações
têm elevadores e rampas para portadores de deficiência.
ALENCAR IZIDORO
da Folha de S.Paulo
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