Nos seus primeiros três anos,
a administração da petista Marta Suplicy deixou
de investir R$ 207,6 milhões em recursos de multas
que, por determinação do Código de Trânsito
Brasileiro, tinham de ser obrigatoriamente gastos em operação
de trânsito.
Com esse dinheiro, seria possível
implantar semáforos inteligentes -apontados por especialistas
como cruciais para a melhoria do tráfego- em cerca
de 60% dos cruzamentos da cidade.
O valor corresponde a quase todos
os custos da CET (Companhia de Engenharia de Tráfego)
de São Paulo durante um ano.
Pelo artigo 320 do código,
a prefeitura tem de gastar 95% da arrecadação
com multas "exclusivamente" em "sinalização,
engenharia de tráfego, de campo, policiamento, fiscalização
e educação de trânsito". Os demais
5% devem ser destinados ao Funset (Fundo Nacional de Educação
e Segurança no Trânsito).
No entanto, a prefeitura não
gastou todo o dinheiro da arrecadação em nenhum
dos anos desde 2001. Os repasses ao Funset também ficaram
abaixo do previsto por lei nos três anos.
O dinheiro das multas vai para um
caixa único da prefeitura e acaba sendo destinado a
outras finalidades. Não é possível descobrir
onde foi gasto o dinheiro que deveria ter ido para o trânsito.
No total, a prefeitura arrecadou R$
959,3 milhões em multas de trânsito entre 2001
e 2003. Mas, desse total, R$ 751,8 milhões (78%) foram
destinados ao trânsito ou ao Funset. A diferença
nos três anos atinge R$ 207,6 milhões.
Os dados de 2003 foram levantados
pelo gabinete do vereador Ricardo Montoro (PSDB), com base
na mesma metodologia utilizada pelo TCM (Tribunal de Contas
do Município). Os dados de 2001 e de 2002 constam dos
relatórios anuais do próprio tribunal, que chegou
a criticar o desvio.
A Folha procurou ouvir a posição
da Secretaria Municipal dos Transportes desde a sexta-feira
da semana passada, mas não conseguiu resposta.
Segundo uma investigação
do Ministério Público publicada pelo jornal
há três anos, a gestão Celso Pitta (97-00)
também não cumpriu a meta. De acordo com esses
dados, de 98 a 2000 também foram desviados para outras
finalidades cerca de R$ 278 milhões.
Há uma polêmica sobre
o que pode ser incluído nesses gastos determinados
pelo código. Quando a Folha publicou, em 2001, que
a prefeitura não iria cumprir a lei -o que de fato
ocorreu-, o então secretário dos Transportes,
Carlos Zarattini, disse: "Para nós, transporte
e trânsito estão vinculados. Se a gente considerar
assim, acredito que pode até chegar a esse valor".
Zarattini hoje é secretário municipal das Subprefeituras.
Para especialistas consultados pela
reportagem -como o ex-presidente da CET Roberto Scaringella
e o professor da USP Jaime Waisman-, o que vale nesse caso
do artigo 320 era a intenção dos legisladores,
de destinar todo o dinheiro arrecadado com as multas de trânsito
exclusivamente para a operação de trânsito.
Na opinião de Scaringella,
com os R$ 207 milhões seria possível "desencalhar"
vários projetos importantes para o trânsito.
Uma deliberação do Conselho
Nacional de Trânsito, de abril de 2002, especifica melhor
o que podem ser considerados gastos com operação.
Nessa determinação não estão incluídas,
por exemplo, despesas com obras ou buracos.
PEDRO DIAS LEITE
da Folha de S.Paulo
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