A Prefeitura de São Paulo usou seu poder de fiscalização
para determinar interferências em uma obra estatal
e assim tentar levar o governo do Estado a desistir de cobrar
judicialmente uma dívida da administração
municipal.
A obra em questão é o prédio da sede
da Cesp (Companhia Energética de São Paulo),
na av. Paulista. A reforma ficou 45 dias embargada, em 2001,
primeiro ano da gestão de Marta Suplicy (PT), por
ordem da Administração Regional da Sé -hoje,
subprefeitura.
Por trás das ordens de embargo e desembargo da reforma
estaria o vice-prefeito de São Paulo, Hélio
Bicudo, 82, nome cotado para assumir a representação
diplomática do Brasil no Vaticano.
É isso o que sustenta a então supervisora
de Uso e Ocupação do Solo da AR-Sé,
a arquiteta Izildinha Araújo, em depoimento dado ao
delegado de polícia Luiz Antônio Rezende Rebello
da Silva. Foi Araújo a autora dos despachos que determinaram
as medidas de fiscalização no prédio
da Cesp.
Nos processos administrativos
que se seguiram a essas ações,
no entanto, não aparece nenhuma alteração
real nas condições físicas e documentais
da obra entre a ordem de paralisação da reforma
e a sua liberação. Portanto, ou nunca houve
irregularidade -e o embargo não deveria ter ocorrido,
como sustenta a Cesp- ou a falha nunca foi sanada -e a obra
não poderia ter sido retomada.
Bicudo nega ter feito o pedido
de paralisação
da reforma do prédio, mas admite ter determinado à AR-Sé que
o embargo fosse suspenso exatamente para facilitar a renegociação
de uma dívida que a Emurb (Empresa Municipal de Urbanização)
tem com a estatal.
A dívida a que ele se refere remonta às obras
de alargamento da avenida Paulista, em 1973, ocasião
em que a prefeitura se apoderou de quase 307 m2 do terreno
da Cesp sem indenizar a companhia pela desapropriação.
As datas da ação fiscalizatória do
município sobre o prédio coincidem -exatamente
como relata Araújo em seu depoimento- com as manifestações
finais do Tribunal de Justiça sobre o caso.
Foram as decisões do TJ -determinando o pagamento
da indenização- que acabaram com a possibilidade
de a prefeitura adiar o processo de execução
da dívida -que já somava mais de R$ 71 milhões-,
como ocorria havia quase dez anos (veja quadro).
Se a ação de cobrança continuasse,
a Emurb teria 17 imóveis penhorados -o que efetivamente
chegou a ocorrer-, entre eles o tradicional edifício
Martinelli, sede da companhia. Mas, um ano depois da liberação
das obras do prédio da Paulista, Emurb e Cesp assinaram
um acordo amigável -fixando o pagamento da dívida
em oito parcelas anuais. Em seguida, a pedido das partes,
a cobrança judicial foi suspensa.
"Foi um encontro de interesses", diz o vice-prefeito. "Eu
estava envolvido em um problema maior e acho que política
se faz por cima, não por baixo", completou Bicudo
ao ser questionado sobre a possibilidade de ele ter determinado
uma ação irregular.
O caso está agora nas mãos do promotor Saad
Mazloum, da Promotoria de Justiça da Cidadania do
Ministério Público Estadual, a quem caberá apurar
se houve ilegalidade nas ações fiscalizatórias
e na renegociação da dívida.
Ministério Público vai avaliar se há indícios
de desvio de finalidade nos atos administrativos de embargo
e desembargo da obra, o que configuraria improbidade administrativa
(má gestão). Ao mesmo tempo, analisará se
a Cesp -da qual o governo do Estado é o acionista majoritário-
perdeu dinheiro com o acordo firmado e se alguém recebeu
alguma vantagem indevida na negociação.
SÍLVIA CORRÊA
da Folha de S. Paulo |