Decisão judicial determina que jovens sejam testados
para saber se têm conhecimento igual ao de alunos regulares
Adolescentes estão há mais de 2 anos fora
da escola; adeptos do ensino em casa, pais foram processados
e podem perder guarda dos filhos
Dois adolescentes de Timóteo (216 km de Belo Horizonte)
iniciam hoje uma verdadeira maratona de testes para provar
à Justiça mineira que têm condições
de continuar estudando em casa, orientados pelos pais.
Jonatas, 14, e Davi, 15, estão há dois anos
e meio sem freqüentar a escola porque seus pais, Cleber
e Bernadeth Nunes, são adeptos do "homeschooling"
(ensino domiciliar), movimento que reúne 1 milhão
de alunos só nos EUA. Eles atribuem a decisão
à má qualidade do ensino do país e à
violência nas escolas.
O ensino domiciliar é uma prática proibida pela
legislação brasileira, e o casal está
sendo processado nas áreas cível e criminal
-se condenados, podem perder a guarda dos filhos.
De hoje a quinta, os irmãos farão uma série
de provas de conhecimentos gerais e de conteúdos curriculares
compatíveis com a idade e referentes às 7ª
e 8ª séries do ensino fundamental. O cronograma
foi definido pela Secretaria de Estado da Educação
e pelo Ministério Público Estadual.
O objetivo é avaliar se o conhecimento dos adolescentes
é compatível com o de um aluno do ensino regular.
O resultado das provas deve ser enviado até o próximo
dia 27 ao Juizado Especial Criminal de Timóteo.
Na esfera cível, o casal Nunes foi condenado, por infringir
o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), ao pagamento
de multa de 12 salários mínimos e obrigado a
rematricular os filhos na escola. Eles recorreram, e o processo
tramita no Tribunal de Justiça de Minas.
No âmbito criminal, os pais estão sendo processados
pela prática de crime de abandono intelectual, previsto
no artigo 246 do Código Penal. Segundo o Ministério
Público, o andamento da ação ainda depende
de um estudo social da família -a ser feito pelo Serviço
Social do Fórum de Timóteo- e a avaliação
do grau de conhecimento dos adolescentes.
Cleber Nunes diz estar confiante no desempenho dos filhos
durante as provas e espera que a Justiça conclua que
a educação que eles recebem em casa é
de boa qualidade.
"Os meninos estão estudando muito o conteúdo
das provas e parecem mais tranqüilos do que eu. Estou
bem ansioso", afirma ele, designer autodidata que abandonou
os estudos no primeiro ano do ensino médio.
Nunes contratou uma professora particular de matemática
para reforçar o estudo dos garotos nessa disciplina.
Em casa, o pai conta que os filhos aprendem retórica,
dialética e gramática, aritmética, geometria,
astronomia, música e duas línguas estrangeiras
-inglês e hebraico. Estudam, em média, seis horas
por dia.
Convívio escolar
Educadores afirmam que a função da escola vai
além do ensino e que o convívio escolar tem
papel importante na vida da criança e do adolescente.
"A família pode fornecer condições
de socialização de outras formas, mas o difícil
é ter esse contexto de sala de aula, de coletivo",
afirmou a educadora Guiomar Namo de Mello.
Mello diz entender a posição dos pais que reivindicam
o direito de ensinar os filhos em casa porque a escola pública
hoje dificilmente oferece essas condições. "Mas
tem o ponto de vista maior, que é preservar uma política
pública. Não dá para deixar que cada
um resolva a escolaridade do seu filho à sua maneira."
Para professor titular da Faculdade de Educação
da USP, Nelio Bizzo, o "homeschooling" tem fundamento
teórico para pessoas com orientação religiosa
muito específica (como os quackers), mas não
para as demais.
Cláudia Collucci
Folha de S.Paulo
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