|
Estudo
mostra que crianças que desenvolvem trabalho artístico
têm mais facilidade de memorização e atenção
e fortalecem a auto-estima
[...] PARA EDUCADORES, A ARTE DESENVOLVE OS SENSOS CRÍTICO
E ESTÉTICO E A CURIOSIDADE
Valentina Vandelli tem seis anos e adora fazer arte -com lápis,
papel, tintas e caixas, muitas caixas. "Ela me pede que
guarde todas as caixas de sapatos e as transforma em bonecos,
casinha com divisórias... Desde pequena, ela é
assim: inventa milhões de coisas, tem muita sensibilidade
e criatividade", conta a mãe, a publicitária
Fernanda Vandelli, 36.
A menina tem aulas de educação artística
na escola e, nas férias de julho, freqüentou uma
escolinha de artes. Agora, na volta às aulas, a mãe
quer matriculá-la em outro curso.
Fernanda diz que sempre leva suas duas filhas a exposições
e incentiva o trabalho artístico com elas. "Acho
fundamental para desenvolver a sensibilidade. As crianças
de hoje esquecem o lado lúdico da vida, o prazer de
trabalhar com as mãos."
De fato, especialistas afirmam que a arte tem um papel essencial
na infância. "É um dos recursos que temos
para pensar e agir sobre a realidade. É do ser humano
fazer arte. É importantíssimo que a criança
tenha esse contato desde cedo", diz Maria Christina Rizzi,
coordenadora do ateliê de arte para crianças
do Departamento de Artes Plásticas da Escola de Comunicação
e Artes da USP (Universidade de São Paulo).
Entre os benefícios listados por educadores, estão
o desenvolvimento dos sensos crítico e estético,
da criatividade, da curiosidade e da auto-estima.
E, segundo um estudo recente, os ganhos ultrapassam os domínios
do meio artístico, ajudando em outros campos. Realizado
pela Dana Foundation, instituição filantrópica
americana dedicada a pesquisas sobre o cérebro, o projeto,
chamado "Learning, Arts and the Brain" (aprendizado,
arte e o cérebro), reuniu neurocientistas de universidades
como Harvard e Stanford com o objetivo de descobrir por que
o trabalho com arte tem sido associado a um melhor desempenho
acadêmico.
Segundo os resultados preliminares, crianças motivadas
para as artes desenvolvem habilidades de atenção
e estratégias de memorização que ajudam
em outras áreas.
O estudo mostrou que há ligações entre
a prática de música e habilidades relacionadas
às memórias de curto e de longo prazo, à
representação geométrica e ao domínio
da leitura. Sugeriu, ainda, que atuar em teatro melhora a
memória e que a dança torna os alunos mais observadores.
"A arte é importantíssima para o desenvolvimento
infantil, inclusive no aspecto cognitivo. A criança
aprende melhor outras matérias: matemática,
inglês, português, ciência", confirma
a pós-doutora em arte-educação Ana Mae
Barbosa, professora do mestrado em design da Universidade
Anhembi Morumbi e única latino-americana que já
presidiu a InSEA (sociedade internacional para a educação
por meio da arte, na sigla em inglês).
Ela diz, porém, que é preciso tomar cuidado
com a forma de trabalhar a arte. Não se trata, por
exemplo, de mandar a criança preencher formas prontas.
"Não adianta dar a ela um desenho do coelhinho
para colorir. É preciso promover a inventividade, a
descoberta, dar papéis grandes para que os limites
sejam amplos."
E, nessas horas, o importante é deixar a criança
livre para criar. "Ficar falando que ela deve fazer de
um jeito ou do outro não tem sentido. O universo da
arte é o da metáfora. Não tem certo e
errado", diz Rizzi.
[...] NÃO BASTA A CRIANÇA PÔR A
MÃO NA MASSA; É PRECISO FALAR SOBRE ARTE COM
ELA, MOSTRAR OBRAS, LEVÁ-LA A EXPOSIÇÕES
E PEÇAS
Apreciação
Mas não basta a criança pôr a mão
na massa. É recomendável ir além da prática
e falar sobre arte com ela. "O fazer deve ser associado
à apreciação. Ainda mais com o atual
bombardeio de imagens promovido pela internet, é preciso
treinar o senso crítico para a leitura de imagens",
diz Rejane Galvão Coutinho, professora do Instituto
de Artes da Unesp (Universidade Estadual Paulista). Isso inclui,
por exemplo, levar a criança a exposições
e peças, mostrar obras feitas com um tipo de material
e conversar sobre o sentido que ela dá ao que vê.
Lucília Franzini, coordenadora da escola infantil de
artes Grão do Centro da Terra, conta que convida artistas
para que compartilhem sua experiência com os alunos.
"É importante partir de obras que já existem
para que a criança amplie seu universo perceptivo e,
a partir daí, crie do seu jeito." Na escola, as
aulas de artes visuais, música e teatro são
integradas. "É muito rico. Há uma tendência
a separar as linguagens, mas nossa vida não é
fragmentada e a criança não pensa assim",
diz Franzini. Já no Atelier Arte Expressão da
Escola Viva, as oficinas são separadas. A coordenadora,
Leila Bohn, diz que está atenta à integração,
mas "sem forçar a barra". "Deixamos
as conexões acontecerem naturalmente.
Por exemplo, uma turma de música compõe algo
para outra de circo. Junções nesse sentido são
bem-vindas, sem que precisem ocorrer a qualquer custo."
Para Coutinho, trabalhar de forma integrada é produtivo
principalmente para crianças de seis, sete anos. "Depois,
é natural que elas queiram se aprofundar em uma técnica."
Segundo Ana Mae Barbosa, o importante é que todas as
áreas tenham o mesmo paradigma.
"Não podemos ensinar música por um método
em que cada criança fica sozinha no violino e pintura
por outro totalmente integrativo, incoerente."
Música
Entre os estudos que listam os benefícios da educação
artística, os que focam na música estão
entre os mais numerosos. Às evidências relacionadas
ao aproveitamento escolar, o compositor Hermelino Neder, educador
musical na St. Nicholas School e no Colégio Vera Cruz,
acrescenta outras conquistas que vê no dia-a-dia.
Segundo ele, por se tratar de uma atividade ritualística
e ancorada no compasso, a música exige coordenação
motora e desenvolve a capacidade de trabalhar em grupo. "Em
uma classe que canta ou brinca de roda coletivamente, cria-se
uma atmosfera de trabalho muito boa", afirma.
Ele diz ainda que a música ajuda os alunos menores
a desenvolver a fala e a ampliar o vocabulário. "Ao
cantarem e ouvirem várias vezes as mesmas palavras,
eles se familiarizam com o padrão da língua,
seja a sua, seja uma estrangeira."
Segundo Neder, enquanto na infância funciona bem trabalhar
com atividades como canto e percussão corporal, adolescentes
preferem se aprofundar em um instrumento. Ana Mae Barbosa
considera uma pena que muita gente interrompa o trabalho com
arte na adolescência, em parte porque muitas escolas
focam só no vestibular e vêem a atividade como
supérflua. "O adolescente vive uma fase muito
rica, de crise, de transformação. A arte pode
ajudar a dar sentido ao que ele pensa e sente."
Para Christina de Luca, coordenadora pedagógica da
escola Lugar de Arte, mesmo colégios para crianças
menores acabam deixando a arte em segundo plano. "Mas
acredito plenamente que vale a pena. Por meio da arte, a criança
aprende a trabalhar melhor em sociedade, a ser curiosa, ganha
auto-estima. Não é perda de tempo."
Veja
museus que têm programas para crianças
Flávia Mantovani
Julliane Silveira (colaboração)
Folha de S.Paulo
Áudio
dos comentários
| |
|