A maioria
dos brasileiros tolera políticos corruptos. Não
só tolera, como é conivente com a roubalheira
e a falta de ética no dia a dia. É o que revela
pesquisa inédita do Ibope Opinião, feita com
2 mil pessoas em todo o país em janeiro. Título:
"Corrupção na Política: Eleitor
- Vítima ou Cúmplice?". Conclusão:
75% dos brasileiros admitem que seriam capazes de cometer
irregularidades em cargos públicos.
Havia 13 atitudes típicas de corruptos: contratar
pessoas e empresas de familiares sem concurso ou licitação;
pagar despesas pessoais com dinheiro público; aproveitar
viagens oficiais para lazer próprio e de familiares;
trocar o voto por um cargo para si, um parente ou um amigo
e até fazer caixa 2 para garantir vitória na
eleição.
Entre as irregularidades que os entrevistados (fora da política,
claro) admitem cometer uma vez ou outra estão: suborno
para se livrar de multa de trânsito; sonegação
de impostos; falsificação de documentos; compra
de produtos piratas; ligações clandestinas pra
usar a luz ou a TV a cabo do vizinho...
Em entrevista ao UOL News, Silvia Cervellini, diretora de
Planejamento e Atendimento do Ibope Opinião, responsável
pela pesquisa, disse que o que mais chamou atenção
foram os altos patamares de atos ilícitos cometidos
no dia a dia pelos brasileiros. "Vimos que 7 em cada
10 cometem alguns desses atos, e quando projetam para pessoas
conhecidas, isso passa a ser quase consensual: 98% acham que
seus conhecidos cometem alguns desses atos - praticamente
todo mundo."
Questionada sobre a sinceridade dos entrevistados, Silvia
Cervellini explicou: "Existe um fenômeno de pesquisa
de opinião que é do entrevistado ser mais verdadeiro
ao falar sobre os outros do que sobre si mesmo. A gente considera,
do ponto de vista de indicador de prática de ilegalidade,
essa medida de pessoas conhecidas como mais verdadeira, mais
próxima do retrato do eleitorado. Então pode
se dizer que praticamente todo mundo comete algumas dessas
pequenas ou grandes ilegalidades no seu cotidiano."
Ela disse que o Ibope ainda não tem uma comparação
com outros países do mundo, mas disse que as reações
de alguns colegas da Espanha e da América Latina demonstram
que há sim uma disseminação dessa cultura
de transgressão na sociedade.
"É um problema de educação?",
perguntou a jornalista Lillian Witte Fibe. "Aí
cabe uma reflexão, uma coisa mais abrangente sobre
esse processo, porque acho que vem da nossa história,
da cultura, das instituições, da nossa legislação.
Acho que a explicação é multidisciplinar."
Banho de água fria
Chegar a essa conclusão é, sem dúvida,
um banho de água fria nos bem-intencionados e honestos.
Como é possível cobrar ética dos governantes?
Silvia Cervellini explicou que o Ibope está diante
de um paradoxo desde o ano passado: dados vinham mostrando
que o eleitor é muito crítico em relação
às suas lideranças políticas em termos
de corrupção, que faz um julgamento muito enfático
contra isso, mas ao mesmo tempo via a prática dessas
ilegalidades pelos eleitores.
"Existe uma associação, uma correlação
entre cometer mais atos de ilegalidade e tolerar mais atos
de corrupção. Efetivamente a gente pode imaginar
que ao assumir que poderia cometer esses atos caso estivesse
lá [no poder], vai ser tolerante diante desse problema
no momento de decisão de voto, por exemplo."
"É o tradicional 'rouba mas faz'?", perguntou
a jornalista. Cervellini explicou: "Chamamos de uma certa
flexibilização das regras éticas. Nem
tudo é tão errado. Contrariar as regras de repente
pode ser válido, dependendo do contexto. Acho que tem
um certo pragmatismo na cultura, porque inclusive você
observa em relação a esses atos de corrupção,
que tudo o que diz respeito a beneficiar familiares e amigos,
tende a ser mais tolerado. Práticas que beneficiam
pessoas próximas, amigos e familiares parece que os
fins justificam os meios, como estratégia de sobrevivência.
Esse tipo de prática provavelmente tende a ser mais
aceita pelo eleitorado."
Quanto mais jovem e informado, mais tolerante
A diretora de Planejamento e Atendimento do Ibope Opinião
explicou que há diferença de resultados quando
os entrevistados forem separados por sexo, idade e escolaridade.
As mulheres são "um pouco menos" tolerantes
que os homens, e os jovens aceitam mais a corrupção
do que as pessoas mais velhas.
"Talvez tenha um fator de informação política,
de entender um pouco a história. Temos que imaginar
que os jovens não têm esse arsenal. Entre os
jovens, 87% aceitam algumas das 13 práticas. Quando
chega entre 50 ou mais, esse índice baixa para 60%."
E outra: essa tolerância também cresce conforme
a escolaridade do entrevistado. "No nível superior
chega a 85%. Até a 4ª série é 62%."
Então não se trata apenas de educação
e informação? "Não é diretamente
educação. Pode ser um fenômeno de compreensão
dos meandros da política, das instituições
e das regras políticas. O pessoal de nível superior
pode, de repente, justificar por conta de entender o arcabouço
institucional."
Reação ambígua
Como é possível o eleitor condenar a prática
e fazer o mesmo? "Essa ambigüidade aparece nos dados,
mas dificilmente aparece no discurso do próprio eleitor.
Na sua auto-imagem essas coisas ficam muito separadas. A gente
não observa no eleitorado essa reflexão. É
por isso mesmo que esse estudo pretende levar a sociedade
a refletir sobre isso: se eu estou criticando lá em
cima, o que eu estou fazendo aqui embaixo? Existe uma separação
muito grande entre esses dois ambientes na opinião
pública. A gente está mostrando que as coisas
não são tão distantes assim."
As informações são
da UOL News.
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