Gilberto
Dimenstein
Desde 1993, taxa de homicídios caiu quase 80%,
chegando a 17 por 100 mil habitantes. Além de transporte
público e ciclovias, capital investiu no ensino, tornando-se
o epicentro na América Latina da idéia de Cidade
Educadora
Luiz Angel Blandon, 38, ex-guerrilheiro das Farc (Forças
Armadas Revolucionárias da Colômbia), tem entre
suas funções distribuir gratuitamente livros
em pontos de ônibus de Bogotá. É um projeto
chamado "Livros que voam": o beneficiário
precisa se comprometer a passar o livro adiante e exigir que
o próximo a recebê-lo não interrompa a
corrente literária. "Não fazia mais sentido
ficar guerreando", explica.
Personagens como Blandon são uma das explicações
da redução da violência em Bogotá.
De 1993 até este ano, a taxa de homicídios da
cidade caiu quase 80% e está em 17 por 100 mil habitantes,
quase igual à da cidade de São Paulo, o que
significa dizer que, apesar do notável avanço,
ainda está longe do satisfatório. Como aceitou
deixar as armas, Blandon entrou em um programa público
de reinserção. Ganha um salário para
ajudar a melhorar Bogotá, promovendo, entre outras
tarefas, a corrente literária. Além desse ex-guerrilheiro,
os livros também ajudam a explicar o avanço
na segurança. "A cidade investiu, além
do aprimoramento da repressão, em urbanismo combinado
com educação", afirma o sociólogo
Jairo Arboleda, responsável no Banco Mundial, na Colômbia,
pelo estímulo a parcerias comunitárias com o
setor público.
Bogotá criou nos últimos anos uma rede de gigantescas
bibliotecas em bairros mais pobres, cujo papel primordial
é recuperar o espaço público deteriorado
e facilitar a convivência. O impacto visual dessas construções
é semelhante ao dos CEUs, as modernas e amplas escolas
públicas na periferia de São Paulo.
O acesso à rede de bibliotecas é facilitado
por uma ciclovia de 305 quilômetros e, mais importante,
por um corredor de ônibus batizado de TransMilênio.
A prefeitura se inspirou em Curitiba, com seus bi-articulados
e o pagamento antecipado do bilhete feito em imensas e transparentes
cabines na rua. A diferença é que, em Bogotá,
o corredor não só levou transporte rápido
e de qualidade às áreas mais distantes como
se transformou em imensos calçadões para pedestres,
alguns deles ajardinados ou com fontes de água. "É
impressionante como o TransMilênio subiu a auto-estima
dos moradores. Virou um motivo de orgulho coletivo",
afirma Arboleda.
Impacto do urbanismo
Os projetos urbanísticos recuperaram a região
central de Bogotá, tão deteriorada como as das
grandes cidades brasileiras -e isso atraiu mais pessoas para
as ruas. Praças foram criadas ou reformadas. Aos domingos,
as principais vias são fechadas ao trânsito,
agora exclusivas para pedestres e ciclistas.
Assim com em Medellín o epicentro da violência
estava na Comuna 13, em Bogotá a concentração
se repetia num bairro com o sugestivo nome de Cartucho -a
versão ainda mais piorada da Cracolândia, em
São Paulo. Avaliou-se que ali já não
havia mais jeito. O poder municipal transformou toda aquela
área em um imenso parque e tratou de encaminhar seus
moradores para outros locais.
Para preencher essas regiões recuperadas, a prefeitura
decidiu promover constantes shows de música, entre
várias outras ações culturais como festivais
de teatro e de dança. Os efeitos dessas iniciativas
eram vistos no surgimento de uma nova vida noturna, antes
limitada porque as famílias tinham medo de sair de
casa.
Evidentemente essas medidas seriam frágeis se não
tivessem aumentado o número de policiais e aprimorado
seu treinamento -passaram a receber cursos na universidade-,
não fossem implantados núcleos de policiamento
comunitário e não se sofisticassem os controles
na prisão para reduzir a força do crime organizado.
Houve um treinamento específico para os carcereiros.
Foi fundamental o esforço dos governantes em tentar
desarmar a guerrilha e os paramilitares.
Mas a engenharia social de Bogotá é ainda mais
complexa, e, como em Medellín, motivada por um trauma
coletivo. É a sensação de um colapso
provocado pela generalização da violência
estimulada pela junção de narcotraficantes,
paramilitares, guerrilheiros e quadrilhas. Tudo isso se potencializava
nos bairros pobres, com seus jovens desempregados, baixa escolaridade,
desestrutura familiar, violência doméstica, falta
de opções de lazer, gravidez precoce. "Sentíamos
que não tínhamos tempo a perder. Tudo parecia
urgente", conta a jornalista colombiana especializada
em violência Bibiana Mercado, agora na ONU. Estavam
em Bogotá muitos dos alvos dos cartéis de Cali
e, especialmente, de Medellín. Políticos, promotores,
juízes, jornalistas eram mortos rotineiramente.
Pactos com a guerrilha
Diante do emaranhado de fontes de violência, apenas
uma ofensiva simultânea em vários flancos teria
alguma chance de funcionar, a começar de um pacto político
com as forças clandestinas.
O chefe de Luiz Blandon, o ex-combatente das Farc, hoje com
seus livros distribuídos em pontos de ônibus,
é o advogado Darío Villamizar, ex-guerrilheiro
do M-19. No passado, o M-19 destruiu o prédio da Suprema
Corte e matou 70 pessoas, entre elas 11 juizes. "Aprendemos
que a paz era o melhor caminho", conta Villamizar, responsável
pela inserção na sociedade de ex-guerrilheiros
e paramilitares que abandonaram as armas. "O que fazemos
é transformá-los em empreendedores para que
toquem sua vida."
Depois de abandonar as armas, líderes do M-19 montaram
o "Observatório da Paz". Um de seus programas,
dirigido por Vera Grabe, é disseminar a cultura do
entendimento e do diálogo nos bairros mais violentos.
"Sabemos o impacto positivo que se alcança quando
aproximamos as crianças e os jovens da cultura. A música,
a dança, o teatro, as artes plásticas, a comunicação
prestam-se como fonte de realização e vacina
contra a marginalidade", diz.
Para ajudar a disseminar esse tipo de ação,
o Unicef sedia um projeto chamado "Aliança para
a Paz". Coletam-se as mais diversas experiências,
que são sistematizadas, formando um banco de êxitos
a ser compartilhado nos diferentes níveis de governo.
A Secretaria de Educação de Bogotá, por
exemplo, mantém um laboratório de pedagogia
comunitária, cuja missão é transferir
todo esse conhecimento para a rede de ensino -ela integra
a lista de entidades associadas da "Aliança para
a Paz".
Pela educação
Melhorar a educação formal foi um dos ingredientes
do plano amplo contra a violência. O poder público
se empenhou em aumentar a matrícula, reduzir a evasão
e, através do treinamento para os professores, oferecer
melhor qualidade de ensino. Bogotá é o epicentro,
na América Latina, da idéia de Cidade Educadora,
segundo a qual todos os serviços públicos e
privados da cidade devem estar conectados às escolas.
Os empresários de Bogotá acreditaram que poderiam
fazer a diferença na questão educacional, interessados
diretos na questão da segurança, afinal viviam
ameaçados, e na produção de mão-de-obra
qualificada. "Nossa contribuição foi focada
na gestão, que é o que mais entendemos",
afirma Guilhermo Carvajalino, principal executivo do movimento
"Empresários pela educação".
Os últimos cinco prefeitos eleitos de Bogotá
- antes eram indicados- tiveram a assessoria ininterrupta
dos técnicos indicados pelo grupo de empresários.
Isso explica, em parte, por que o nível educacional
da cidade, medido em testes, é o mais elevado do país.
Medellín
passou de capital da violência a laboratório
da paz
Coluna originalmente publicada na Folha de S.Paulo,
editoria Cotidiano.
|