O Instituto
Acaia é uma mistura de ateliê e escola, onde
se oferece culinária, capoeira, música e marcenaria
A marcenaria da artista plástica Elisa Bracher se
tornou um objeto de desejo de um punhado de crianças
da favela da Linha, na Vila Leopoldina. Afinal, elas moravam
em casas de madeira e seus pais trabalhavam na fabricação
ou reciclagem das caixas do Ceagesp. Aos poucos, sem perceber,
a artista, cujas peças estão expostas em várias
cidades do mundo, iria reencontrar seu objeto de desejo da
juventude -hoje à noite, esse reencontro será
apresentado por um comitê de urbanistas e arquitetos
de diversos países, reunidos pela London School of
Economics, como uma das melhores experiências comunitárias
de São Paulo. "Tudo foi acontecendo por acaso."
Quando era adolescente, Elisa desejava cursar pedagogia e
dar aula. "O curso me parecia muito fraco." Preferiu
estudar artes plásticas na Faap e não via qualquer
possibilidade de ensinar. Meteu-se no circuito das artes.
Montou seu ateliê, ao lado de sua casa, no refinado
bairro do Alto de Pinheiros.
Mas como trabalhava com gigantescas peças de madeiras
e estava incomodando os vizinhos com o movimento dos guindastes
e caminhões, mudou seu ateliê para um galpão
na Vila Leopoldina, ao lado da favela. "Foram aparecendo
devagarzinho os olhos das crianças seduzidas pela minha
marcenaria."
Os barracos da favela entraram em sua vida, mesmo esteticamente,
como as toras de madeira certificada que compõem suas
esculturas -por acaso, acabaram numa exposição.
Os moradores de lá estavam ameaçados de despejo.
Máquina em punho, Elisa fotografou as fachadas dos
barracos para entregar ao juiz, alegando o direito de usucapião.
"Tomei um susto quando vi as fotos, fiquei impressionada
com as cores e as texturas que apareceram."
Além de uma defesa judicial, as imagens viraram uma
exposição, intitulada "A Cidade e Suas
Margens".
O relacionamento com as crianças no ateliê, onde
estavam as máquinas para preparar as madeiras, ia deixando
de ser esporádico. "Já não sabia
o que fazer com tanta gente que chegava." E chegavam
cheias de problemas.
A marcenaria ficou pequena para tanta curiosidade. Elisa alugou
mais um galpão, grudado ao seu espaço. Batizado
de Instituto Acaia, nascia um misto de ateliê, escola
e parque de diversões, onde, além de uma marcenaria,
se oferece culinária, capoeira, música, comunicação,
dança e, claro, artes plásticas. "Tive
de me reinventar." Na verdade, teve de fazer um curso
de pedagogia prático.
A prova de que esse aprendizado prático está
indo bem será visível hoje à noite, em
cerimônia no Palácio dos Bandeirantes. Como parte
de seu seminário (Urban Age) sobre o futuro das metrópoles,
sediado neste ano em São Paulo e organizado pela London
School Economics, uma comissão escolheu 12 projetos
que demonstrem inventividade -entre eles está a escola-ateliê
de Elisa Bracher, com seus desejos de madeira.
Veja
a galeria de imagens
Coluna originalmente
publicada na Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.
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