No projeto
“Milfont”, jovens serão convidados a transformar
cemitérios da zona sul da cidade em galerias a céu
aberto.
Alberto Milfont Júnior quis ser várias coisas
quando era criança e adolescente: jogador de futebol,
cantor, violonista e até clown. Vivia repetindo: “Vou
ser famoso”. Adulto, desistiu do projeto de celebridade.
Não tinha carreira definida e, aos 23 anos, entregava
pizza à noite para sobreviver. O assassinato que sofreu
dentro das Casas Bahia, no dia 10 deste mês, lhe garantiria
apenas uma fugaz publicidade -afinal, não é
novidade em seu bairro a morte de jovens.
Mas, na semana passada, começou a ser desenhada uma
experiência para oferecer a Alberto Milfont fama eterna.
A experiência vai ocorrer justamente no cemitério
em que ele está enterrado -dali, a idéia deve
se espalhar.
Alberto morava na região do Capão Redondo,
conhecida por ter o cemitério (São Luís)
com mais jovens enterrados por metro quadrado. O bairro faz
parte do chamado “triângulo da morte”. Daí
o previsível esquecimento do episódio na loja.
Seria mais um corpo a compartilhar aquela métrica fúnebre.
A diferença é que ele atuava, nos finais de
semana, como intermediador de conflitos entre crianças
e adolescentes que freqüentavam um projeto educacional
chamado Casa do Zezinho, na zona sul -a intermediação
é uma habilidade desenvolvida em áreas de risco,
transformada em currículo escolar em Bogotá,
na Colômbia.
Seu trabalho era, portanto, evitar a violência, apartando
brigas e promovendo o diálogo. Por isso, o assassinato
gerou uma comoção no bairro. Uma comoção,
porém, que todos sabiam ser passageira.
Na segunda-feira passada, Dagmar Garroux, criadora da Casa
do Zezinho, onde Alberto estudou por muitos anos, conseguiu
da prefeitura a autorização para que os muros
do cemitério São Luís se transformassem
numa galeria a céu aberto -seu projeto já vem
há muitos anos ajudando a colorir espaços públicos
na zona sul da capital paulista.
Ela obteve a permissão para intervir não apenas
no São Luís, mas em todos os cemitérios
da região. A idéia é criar um programa
de arte, chamando adolescentes de vários bairros, para
criar painéis com cores fortes, destacando-se das tonalidades
cinzas da região.
A pintura será um pretexto para provocar debates sobre
a violência na cidade e como reagir à barbárie
no caso, as cores serão uma provocação
para ensinar a intermediar conflitos. Pela extensão
dos muros, é um projeto para muitos anos.
No mesmo dia em que se obteve a autorização
para intervir nos cemitérios da zona sul, o projeto
já tinha nome: “Milfont”.
Ainda ligado a temática de arte no cemitério,
o internauta Luiz Guilherme Vieira mostra seu trabalho fotográfico,
no qual retrata verdadeiras obras de arte instaladas dentro
dos cemitérios da cidade de São Paulo. Veja
a galeria de imagens.
Coluna originalmente
publicada na Folha Online, editoria Pensata.
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