Agora,
com a vida mais estabilizada, Eliseu vai voltar ao velho projeto;
em 2009, fará vestibular para direito
Eliseu Bezerra nunca gostou de dirigir automóvel.
Nem mesmo nos finais de semana, apesar dos insistentes apelos
de sua mulher, que adorava passear. "Eu acabava cedendo,
mas sempre dirigia resmungando." Um dos piores momentos
da sua vida foi quando, há 18 anos, sem emprego e no
limite do desespero, teve de ser motorista de táxi
para sobreviver -essa decisão vai levá-lo amanhã
ao seu momento de glória, quando receberá um
prêmio das mãos de Lewis Hamilton, um dos mais
importantes pilotos da Fórmula 1.
Hamilton vai entregar a Eliseu, 54, o prêmio Piloto
da Vez, por fazer parte de uma experiência, na cidade
de São Paulo, para que os motoristas bêbados
não façam manobras perigosas, como se estivessem
numa pista de corrida.
A demissão desmontou sua vida.
Até então, imaginava que trabalharia para sempre
numa empresa metalúrgica. Matriculava-se nos mais diferentes
cursos de aperfeiçoamento e nutria planos para atingir
seu grande projeto: entrar numa faculdade de direito. Ficou
sem emprego, com quatro filhos e, para piorar, estava construindo
uma casa.
Como não conseguia vaga em nenhuma metalúrgica
e o dinheiro da indenização evaporava com as
obras da casa, vendeu seu automóvel para adquirir um
táxi. "Daí se vê o tamanho do meu
desespero."
Por falta de alternativa, aprendeu a não enlouquecer
no trânsito. Sua fórmula: rezar. "Antes
de sair de casa, faço orações para que
Deus me dê equilíbrio."
As habilidades do ex-futuro advogado serviram para que Eliseu
exercesse uma função na cooperativa em que trabalha
(Central Comum Rádio Táxi) -além de motorista,
atua na comissão de ética para ajudar a resolver
conflitos. "Sou como se fosse um juiz. Ouço as
partes e depois decido."
Ele participa de uma experiência para tornar o trânsito
um pouco mais protegido dos motoristas que abusaram do álcool
-o nome do projeto é Movimento Piloto da Vez.
Por causa de uma parceria com uma empresa (Diageo), a cooperativa
oferece uma cota de viagens gratuitas para quem tomou doses
a mais e não se sente em condições de
dirigir. Por sua posição na comissão
de ética, Eliseu foi escolhido para receber o prêmio
das mãos de Hamilton.
Mas seu projeto é mesmo voar mais alto. Agora, com
a vida mais estabilizada, os filhos quase criados -um deles
virou também taxista-, Eliseu vai voltar ao velho projeto
e, no próximo ano, fará vestibular para estudar
direito. Para ele, é como se aí, sim, tivesse
pilotado sua própria vida.
Coluna originalmente
publicada na Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.
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