Terminado
o espetáculo, Jefferson convidará os espectadores
a caminharem até o beco que inspirou a peça
Morador da favela de Heliópolis, criado pelos
avós (sua mãe tinha 16 anos quando ele nasceu),
sem contato com o pai, Jefferson Pereira da Silva imaginou
que, se trabalhasse no estacionamento de uma faculdade, talvez
tivesse a chance de conhecer alguém que o ajudasse
a estudar psicologia. "Logo vi que ficaria estacionando
carros o resto da minha vida."Acabou achando uma saída
para seu futuro, longe da psicologia: a saída estava
no palco. Jefferson decidiu ser ator.
Na próxima semana, ele sobe ao palco para contar a
história de um jovem que descobriu uma saída
num beco. Terminado o espetáculo, Jefferson convidará
os espectadores a caminharem até o beco que inspirou
a peça.
O caminho de Jefferson até o teatro começa no
violino. Ele começou a estudar violino na orquestra
sinfônica criada pelo maestro Silvio Bacarelli, em Heliópolis.
"Por várias vezes pensei em desistir, precisava
trabalhar. Queria ganhar meu próprio dinheiro, sem
depender dos meus avós." E aí foi trabalhar
no estacionamento da faculdade, na aposta que, se tivesse
sorte, viraria psicólogo. "Meu sonho era ser violinista
e psicólogo." Mas, no íntimo, temia ter
de sobreviver de bicos.
Conseguiu, então, uma remuneração mensal
para tocar regularmente na orquestra sinfônica. Até
que apareceu a oportunidade de participar de uma peça
("Acorda Brasil"), escrita pelo empresário
Antonio Ermírio de Moraes, inspirada no trabalho do
maestro Bacarelli. Só aceitou fazer o teste por insistência
dos colegas. "Sou muito tímido."
Fez um papel de um marginal, era temido por todos, sempre
andava com um revólver na cintura. Por causa de um
professor de música, o personagem, no final, troca
a arma por um violino. As cenas de violência que integram
seu cotidiano foram para o palco: "Muitas pessoas que
eu conhecia morreram ou foram presas".
Pela sua atuação, Jefferson foi chamado para
o elenco de "O Beco", escrito por Patrícia
Secco, a partir da experiência da conversão de
um beco na Vila Madalena em espaço de arte e convivência.
Seu personagem é, agora, um pichador que se transforma
em grafiteiro.
O espetáculo é gratuito e prevê que os
espectadores façam uma visita de ônibus aos espaços
que inspiraram a peça. Jefferson será um dos
guias que os levará da ficção à
realidade. "Meu prazer está no poder de encantamento
da arte. Até um beco fica com saída."
Aquele beco é uma metáfora para ilustrar o encontro
da viabilidade numa cidade com tantos riscos de inviabilidade
-mais ou menos como a própria vida de Jefferson.
Mas a saída dele está apenas no começo:
resolveu apostar na carreira de ator. Vai agora, aos 24 anos,
passar por um dos seus testes mais difíceis: prestar,
neste ano, o vestibular para estudar teatro na USP.
Coluna originalmente
publicada na Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.
|