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Está
se erguendo em Heliópolis um bairro educador, que reúne recursos
federais, estaduais e municipais
Centro financeiro do país e sede da mais importante
Bolsa de Valores entre as nações emergentes,
nenhuma cidade brasileira está tão conectada
com a crise econômica como São Paulo -isso faz
com que Londres, Nova York e Tóquio pareçam
vizinhos geográficos. Mas os movimentos dos pregões
e das urnas eleitorais mostram uma aparente contradição:
a cidade está cada vez mais cosmopolita e, ao mesmo
tempo, mais provinciana.
A principal mensagem das urnas, pelo menos até o primeiro
turno, é simples. O eleitor não está
preocupado com os partidos, ideologias de "esquerda"
ou de "direita", sucessão estadual ou presidencial
-ele quer saber, basicamente, quem pode diminuir os seus tormentos
numa cidade caótica.
Palavra associada ao atraso, provinciano se traduz hoje em
avanço -aliás, há muito tempo já
se fala nos seres "glocais", que vivem a globalização
e valorizam o local.
Gilberto Kassab foi para o segundo turno porque trouxe para
o debate o máximo possível do local. Bateu na
tecla da comparação com Marta Suplicy e deixou
Geraldo Alckmin sem discurso.
Lula e Serra, os padrinhos de Marta e Kassab, valem nesta
eleição menos pelo prestígio pessoal
do que pela imagem de que o dinheiro estadual ou federal se
traduziria em linhas de metrô e em recursos para a educação
ou a saúde.
A chance de Marta Suplicy voltar à liderança
não vai depender da ajuda de Lula e de seus ministros,
mas da engenhosidade publicitária de desconstruir Kassab,
que, segundo o Datafolha da semana passada, está com
61% de aprovação.
Não basta só desconstruir: ela vai ter que convencer
que, como prefeita, fará melhor. A batalha será
em torno dos indicadores provincianos. Esse aprendizado é
o que faz do provincianismo -a reverência ao local-
um avanço e tanto.
Mas justamente aí está um monumental atraso.
Faltam pessoas treinadas para gerir a complexidade de uma
metrópole a partir dos bairros.
Quem não se impressiona com a papagaiada do horário
eleitoral e acompanha os efeitos das políticas públicas
pode até reconhecer avanços nas mais diferentes
áreas tanto na administração de Kassab
quanto na de Marta. Mas dificilmente deixará de constatar
que, na média, os serviços públicos oscilam
entre regular, ruim e péssimo -mais para o ruim e para
o péssimo. Espremendo os números, até
o que parece bom é, com boa vontade, regular, para
padrões civilizados. Um dos principais pontos de vulnerabilidade
-e quase nada comentado nessas eleições- é
que se tenta administrar São Paulo por distritos, quase
todos gigantescos e heterogêneos, e não por bairros.
Tal mudança implica, além de treinar pessoas
com habilidade em microgestão, em um reordenamento
dos poderes.
Não é necessário ser um gênio para
chegar a essa conclusão. Basta andar na rua e ver como
funcionam melhor os serviços de saúde, educação
e segurança em locais em que a comunidade é
mais atenta e participativa. Funcionam ainda melhor quando
se montam (o que é raro, raríssimo) arranjos
que envolvam diferentes áreas dos diferentes governos.
Se quiser um exemplo, pegue a favela de Heliópolis,
onde está se erguendo um bairro educador, que consiste
na montagem das diferentes conexões, com recursos federais,
estaduais e municipais, em torno da escola. Para sintetizar:
a nota dos alunos de uma escola de Heliópolis (Campos
Salles) consegue ser maior que a dos estudantes de um CEU
nas proximidades.
Por causa desse tipo de experiência, a Fundação
Vanzolini, ligada à Poli, resolveu montar um curso
batizado de "engenharia comunitária", para
disseminar experiências comunitárias. Heliópolis
é um dos casos a serem estudados nesse curso -afinal
lá, entre outras coisas, Ruy Ohtake fez uma espécie
de plano diretor do bairro; o professor Antonio Candido ajudou
a montar uma biblioteca; e o maestro Bacarelli montou uma
orquestra sinfônica. É um dos lugares em que
PT, DEM e PSDB se consideram co-autores de projetos.
O curso é conseqüência do fato de que turmas
do curso de gestão da Fundação Vanzolini
desenvolveram um software para que um bairro pudesse ser melhor
administrado, utilizando os recursos já existentes
-é uma espécie de Google de bairro.
O caso de Heliópolis é a tradução
da frase de Lala Deheinzelin, especialista em economia criativa:
santo de casa faz milagre.
PS - Vale a pena acompanhar. O Unicef está lançando
nas regiões metropolitanas do Rio e de São Paulo
um programa de treinamento para comunidades. Com os diferentes
níveis de governo, universidades, associações
de bairro, eles querem ajudar na montagem de modelos de redes
de educação, saúde, lazer, esporte, assistência
social e cultura em torno das crianças e adolescentes
-a parir daí, os indicadores serão monitorados.
A idéia é que esse tipo de modelo seja disseminado
pelas demais regiões metropolitanas.
Coluna originalmente
publicada na Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.
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