|
Na cidade
insegura, com indicadores ruins de saúde e educação, discute-se
se o prefeito é casado ou tem filhos
É como se a cidade se transformasse num gigantesco
palco e seus habitantes, numa platéia. Nesta semana,
em São Paulo, há opções para todos
os gostos -até para quem aprecia o grotesco. Está
em exibição o 1º Festival de Teatro Grotesco.
Para quem gosta de literatura infantil, um festival da arte
de contar histórias, espalhado por 22 bibliotecas e
seis parques.
Já seria atração suficiente a maratona
de 454 filmes, de 75 países, reunidos na Mostra Internacional
de Cinema. O Tim Festival traz alguns dos astros na vanguarda
música eletrônica, com 29 atrações
durante quatro dias. Por 80 horas ininterruptas, 21 teatros
serão ocupados para o festival Satyrianas. Há
também um festival dedicado apenas a histórias
em quadrinhos, considerado o maior no gênero na América
Latina.
Só neste domingo, os paulistanos poderão optar
por shows gratuitos que vão de uma orquestra sinfônica
russa aos Titãs, passando pela roqueira Pitty. Mas
nenhum espetáculo se compara ao impacto até
em pirotecnia e barulho do que vimos, na quinta-feira, em
frente ao Palácio dos Bandeirantes, quando se enfrentaram
policiais militares e civis. As cenas do enfrentamento policial,
deixando insegura toda uma cidade por quem deveria deixá-la
segura, colocam o festival do grotesco mais próximo
da ingenuidade do festival de contação de histórias
infantis. É um magnífico resumo do que estamos
vendo na cidade nesta reta final das eleições.
Na mesma cidade que se converte, com os inúmeros shows
e holofotes, num luminoso palco e revela as luzes de toda
uma comunidade, estamos assistindo ao espetáculo eleitoral
com toques do grotesco. José Serra tentou fazer do
choque entre as polícias um evento basicamente eleitoral
-e com foco na disputa municipal. É uma óbvia
forçada de barra, não resiste a dois segundos
de reflexão. Por que, afinal, Marta Suplicy e seus
aliados, que estão em larga desvantagem, como voltou
a apontar ontem o Datafolha, gostariam de se associar à
imagem de uma baderna? Justo ela que já anda mal na
classe média.
Marta, por sinal, ainda está no meio do tiroteio, por
ter protagonizado o mais polêmico gesto do espetáculo
das eleições, ao cutucar a vida pessoal de Kassab.
Esse cutucão se converteu na mais efervescente polêmica
da mais importante cidade do país. Na cidade insegura,
engarrafada, com indicadores ruins de saúde e educação,
discute-se se o prefeito é casado ou tem filhos -e
uma discussão lançada por uma sexóloga
que se apresenta como vanguarda. Mais uma peça para
concorrer com o festival do grotesco.
Na semana passada, Gilberto Kassab apareceu ao lado de Serra,
com um gigantesco cheque, para marcar mais uma ajuda ao metrô.
O gesto é uma peça de campanha, claro, embora
possa até mesmo ter a proteção da lei.
Mas tanto o governador, que viu jogada eleitoral por trás
da manifestação dos policiais, como o prefeito
juram que a cerimônia era apenas um ato administrativo.
Marta Suplicy anuncia a construção de 47 quilômetros
de metrô como se coubesse ao prefeito tal tarefa e como
se o dinheiro já estivesse disponível. E, pior,
insinua que, se ela não for eleita, Lula não
vai dar o dinheiro para a cidade -é como se os recursos
públicos não fossem do contribuinte, mas do
PT. É a mesma mensagem implícita na propaganda
de Gilberto Kassab, tão atrelada à imagem do
governador. Daí que o tal cheque ao metrô é
obviamente um gesto da campanha.
Pode-se argumentar (com certa razão) que tudo isso
faz parte de qualquer campanha eleitoral. Mas, por essas e
outras, estão tão distantes (e cada vez mais)
a criatividade da cidade com seus palcos luminosos e a cidade
do poder, cuja pirotecnia é feita de promessas vazias,
jogadinhas de marketing e, às vezes, até no
grotesco do choque entre policiais.
PS: Para ser justo. Certamente foi um dos piores momentos
políticos da vida de Marta Suplicy a publicidade sobre
a vida pessoal de Kassab -só pode ser atribuído
ao desespero de campanha. Mas, para ser justo, isso não
deveria passar uma borracha em todo seu trabalho em defesa
da diversidade sexual, que considero corajoso e de vanguarda.
Se ela tivesse apenas pedido desculpas pela ofensa, teria
sido muito melhor para sua biografia. Dizer que não
sabia e responsabilizar o marqueteiro e, ainda por cima, sair
defendendo a publicidade, apenas aumentou o grotesco.
Coluna originalmente
publicada na Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.
|