Educada por freiras do colégio
Sion, em São Paulo, filha de pais que lhe impunham
severas condições para freqüentar festas,
Ana Elisa Siqueira sempre foi bem-comportada. Até passar
a dirigir uma escola pública: começou a arrancar
grades, a derrubar paredes das salas, a subverter a rotina
de professores e a se misturar a alunos que não gostavam
de estudar. A transgressão fez com que a escola da
qual é diretora fosse apresentada no Fórum Mundial
da Educação, no domingo passado, como um laboratório
pedagógico.
Há sete anos, Ana Elisa assumiu a direção
da Escola Municipal Desembargador Amorin Lima, numa rua sem
saída do Butantã. A diferença se vê
logo na entrada do prédio: um acolhedor jardim e paredes
decoradas com painéis de mosaico feitos pelos alunos.
"Ninguém aprende num lugar triste e desinteressante."
Seu primeiro gesto foi arrancar as grades de ferro. "Os
alunos se sentiam presos." Para levar seu projeto adiante,
Ana Elisa teve uma vantagem: como a escola fica no Butantã,
muitos de seus estudantes são filhos de professores
da USP. A comissão de pais tornou-se uma peça
fundamental na gestão e estimulou o gosto da diretora
pela experimentação.
Depois, era derrubar as grades curriculares. Desde 2003,
assessorada pela psicóloga Rosely Sayão -especialista
em novas relações de aprendizagem professor/aluno-,
introduziu aulas de capoeira, dança, educação
ambiental e teatro conectadas às aulas de ciências,
história, geografia e língua portuguesa. Sugeriu,
então, que os alunos formassem grupos de cinco e circulassem
em vários espaços, sempre pesquisando juntos.
"O papel do professor é ensinar a pesquisar."
Fez que os professores derrubassem as suas próprias
grades.
Para ter essa circulação, ela resolveu literalmente
pôr abaixo as paredes. No lugar das apertadas salas
com cadeiras enfileiradas diante da lousa, surgiram salões
imensos, onde dezenas de grupos trabalham ao mesmo tempo sobre
diferentes assuntos, orientados por diferentes professores.
Sem saber, porém, Ana Elisa estava criando uma bomba.
Os alunos submetidos ao novo sistema exibem melhor aproveitamento,
mais curiosidade e mais responsabilidade. Suas salas são
mais conservadas, o corredor é mais limpo. Os demais,
confinados às salas antigas, com matérias e
professores tradicionais, estão revoltados a tal ponto
que há diferentes horários de recreio. "Espero
que no próximo ano todos estejam no mesmo sistema."
Seu projeto é aproveitar as férias de fim de
ano para derrubar mais paredes. "Quanto menos grades,
mais prazer na escola."
Esta coluna é publicada originalmente
na Folha de S. Paulo, na editoria Cotidiano.
|