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Movidos pela vaidade, pelo menos
130 mil crianças e adolescentes submeteram-se, no ano
passado, a operações plásticas.
Essa é a estimativa da Sociedade Brasileira de Cirurgia
Plástica, que, em pesquisa realizada entre seus 4.000
associados, detecta o aumento a cada ano de crianças
e adolescentes dispostos a entrar na faca para ficar mais
bonitos.
Qual a extensão desse servilismo à estética?
A situação é mais grave do que se imagina.
Pesquisa quantitativa e qualitativa (conversas em grupo) feita
pela MTV sobre o perfil dos jovens brasileiros de 15 a 30
anos de idade, divulgada na quinta-feira, revela uma epidemia
de preocupação com a beleza física.
Em parceria com o Datafolha, a MTV perguntou aos entrevistados,
por exemplo, se trocariam 25% de inteligência pela mesma
proporção de beleza. Resultado: 15% foram francos
o suficiente para admitir a troca. Nem se preocuparam com
o fato óbvio de que a beleza física passa rapidamente,
mas a inteligência fica.
Fiquei me perguntando se os jovens dispostos à troca
já não teriam um QI não muito elevado.
A julgar pela pesquisa, o problema não está
no QI. Trata-se de um mal que afeta parte expressiva de uma
geração das classes A, B e C, ou seja, da fatia
da sociedade em que se inclui a elite.
O principal resultado desse perfil é ter detectado
até que ponto vai a reverência exacerbada à
beleza física. Convidados a definir os traços
que melhor definem a atual geração, os entrevistados
colocaram em primeiro lugar -e bem na frente- a vaidade. Depois,
aparecem o consumismo, o individualismo e o comodismo.
Por que está ocorrendo essa "epidemia da beleza"?
A resposta é óbvia -e nós, da mídia,
somos, em parte, responsáveis por isso.
Há uma supervalorização da aparência.
Seres anoréxicos e fúteis, quase inumanos, como
Gisele Bündchen, são apresentados como padrão
de beleza e de sucesso. A mídia, por sua vez, não
se limita a fotografá-los, mas freqüentemente
busca suas opiniões sobre os mais diversos temas, de
política a transgênicos.
Dissemina-se um culto à celebridade, que dá
lugar ao surgimento de uma espécie de casta na sociedade,
a casta dos "famosos". E, para ser famoso, não
é preciso necessariamente fazer algo de relevante -basta
aparecer.
É o domínio da fugacidade. A internet, na sua
extraordinária velocidade em tempo real, é a
síntese tecnológica da voracidade do presente,
do agora.
A pesquisa mostra, de um lado, o narcisismo entre jovens e,
de outro, um ceticismo. São as duas faces de uma mesma
moeda. Políticos são sempre ruins, independentemente
dos partidos. Logo os governos são iguais. Na opinião
de 64% dos entrevistados, o governo Lula está igual
ou pior do que o de seu antecessor.
O jeito, portanto, é o salve-se-quem-puder. Se não
existem utopias -e toda utopia é um pacto com o futuro-
nem se acredita na política, sobra apenas a saída
individual.
Até porque a mensagem predominante é a do consumismo
como fonte de prazer e de realização. Vale perguntar
se esse imediatismo não é um estímulo
ao consumo de drogas.
As próprias relações pessoais acabam
refletindo esse imediatismo individualista. "Ficar"
significa namorar sem estabelecer nenhum laço emocional
-laços emocionais implicam compromisso. Vale a pena
reproduzir consideração dos pesquisadores da
empresa Wilma Rocca & Associados, responsável pela
análise dos dados do levantamento, sobre o tópico
"ficar": "O próprio ficar já
está derivando seu sentido para algo mais superficial,
onde sentimentos, ainda que momentâneos, já chegam
a estar totalmente ausentes". Servis ao ideal da beleza
física, pais abrem mão da condição
de adultos, como se quisessem prolongar a adolescência.
Não querem ser pais de seus filhos, mas amigos. Não
cobram, não dão limites, não exigem -assim
como, quando eram adolescentes, não queriam cobranças
paternas. O pai muito amigo é, porém, um candidato
a futuro inimigo do filho. "Os filhos já evidenciam
certo desconforto com a ausência da porção
pai e o excesso do lado amigo", observam os pesquisadores.
O culto à futilidade é não só
um transtorno individual -em que a pessoa passa a viver apenas
em função do superficial e do fugaz- mas também
um transtorno coletivo.
Em comparação com o levantamento realizado em
1999, houve uma redução do número de
jovens dispostos a realizar trabalhos comunitários.
Explicável: na lógica do narcisismo, o outro
só serve de espelho. Será que essa onda vai
diminuir ? Talvez.
Registraram-se, nas conversas da fase qualitativa da pesquisa,
sinais de esgotamento decorrentes dessa multiplicidade de
estímulos fugazes, sem laços. Começa-se
a perceber que tudo, intenso e imediato, resulta em nada.
PS - Em meio a essa cultura da futilidade, tenho visto um
movimento de resistência de jovens que, atentos ao que
ocorre ao seu redor, estão querendo fazer a diferença.
Tenho visto também escolas e educadores colocarem na
prática escolar o estímulo à colaboração.
Esse deveria ser o padrão de comportamento, não
a exceção, numa comunidade civilizada. Podem
me chamar de nostálgico, mas, se ser jovem é
ficar obcecado pela beleza e viver em regime alimentar ou
achar que se comunicar é ficar na frente de um computador,
prefiro ser velho. Sou dos que acham que um dos bons prazeres
da vida é ouvir, pessoalmente, sem tela nem terminais,
conversa de gente falando das dores, delícias e encantamentos
das experiências.
Coluna originalmente publicada na
Folha de S. Paulo, na editoria Cotidiano.
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