O Brasil
se comoveu, na semana passada, com duas meninas. Tainá
Costa Alves, 8, levou um tiro, em São Paulo, que passou
a três centímetros de seu coração.
No Rio, Letícia Botelho teve menos sorte e foi assassinada
no dia que completaria 13 anos -no momento do tiro, comprava
o vestido para a sua festa de aniversário.
Por coincidência, quase ao mesmo tempo em que as balas
eram disparadas, as duas cidades anunciaram um projeto que
serve como uma resposta para a barbárie.
Como se fossem uma única cidade, Rio e SP iniciaram,
em conjunto, uma experiência em 126 de suas áreas
infestadas de violência, cuja meta, ambiciosa, não
é servir de referência só ao Brasil, mas
ganhar escala planetária, de Mumbai à Cidade
do México, passando por Joanesburgo, vítimas
da insegurança.
As duas cidades foram escolhidas pelo Unicef para testar
um modelo de gestão, batizado de "Plataforma dos
Centros Urbanos", em que se integram todos os níveis
de poder, focados em pequenas comunidades - uma unidade menor
do que o bairro.
Nesses focos, monta-se uma teia formada pelos governos federal,
estadual e municipal, além de entidades não
governamentais, Ministério Público, sindicatos,
empresários, líderes religiosos, professores.
O que se pretende é fazer com que todos esses esforços
resultem num modelo replicável em que se criem condições,
nos lugares mais pobres, para o desenvolvimento das crianças
e dos jovens e, aí, se trabalham de segurança
e educação, passando por geração
de renda, saúde e assistência social até
drogas.
O centro da operação dessa plataforma urbana
não é o poder oficial, mas a própria
comunidade. Um de seus articuladores ganhou, na quinta-feira
passada, destaque mundial. É a adolescente carioca
Mayara Tavares que, durante o G8, na Itália, atraiu
o olhar vivamente interessado do presidente Obama. Ela atua
no bairro de Santa Cruz, zona oeste do Rio. Onde vive, ela
teria uma chance razoável de um destino semelhante
ao de Tainá ou Letícia.
Não se sabe o que vai sair da experiência no
Rio e em SP. Mas dirigentes do Unicef dizem que, se os resultados
forem bons, o projeto deve se expandir pelo mundo, onde existe
a combinação explosiva entre juventude e grandes
cidades.
Esse teste faz parte da descoberta do valor das pequenas coisas
-e a semana passada foi mais um exemplo dessa descoberta.
Um encontro reuniu, na quarta-feira, em Brasília,
120 secretários de Educação, o que significa
cerca de 40% das matrículas do país. Alguns
deles compartilharam pequenas soluções que vêm
realizando em seus municípios, muitas de baixo custo.
Em Londrina, muitos clubes, por falta de sócios, estavam
abandonados. Nem precisaram de grandes reformas para que os
estudantes de escolas públicas pudessem usar esses
espaços; em SP são implantados os clubes-escolas.
Em Sorocaba, criou-se um programa de visita de médicos
às escolas e rapidamente se melhorou a produtividade
dos alunos.
Em Recife, começam a desenvolver planos para que as
escolas municipais tenham sua gestão compartilhada
com a sociedade. Belo Horizonte, Nova Iguaçu e Barueri
implantaram os bairros educativos -um projeto tocado na favela
de Heliópolis, a maior de São Paulo.
No Rio, mulheres são remuneradas para fazer a ponte
das famílias com a escola. Lá, na Cidade de
Deus, notabilizada pelo cineasta Fernando Meirelles, escolas
têm agora um professor treinado especialmente para fazer
o elo com a comunidade.
Decidiu-se que esse tipo de professor será disseminado
por toda a cidade no projeto "Escolas do Amanhã",
focado nas regiões mais vulneráveis. Esse projeto
se funde, na prática, como as "Plataformas dos
Centros Urbanos", do Unicef.
Sempre houve pequenas e inventivas soluções.
A diferença é que, agora, elas estão
ganhando escala, passando a atingir não centenas nem
milhares de pessoas, mas milhões -o Bolsa Escola começou
como um projeto em Brasília e em Campinas, depois se
expandiu pelo Brasil e virou o Bolsa Família.
Os secretários estavam reunidos em Brasília
por causa de um programa batizado de "Mais Educação",
em que se envolvem vários ministérios e prefeituras
para aumentar a jornada escolar. A mais recente adesão
foi a do Ministério da Defesa.
Motivo: a abertura dos quartéis da Marinha, do Exército
e da Aeronáutica, onde existem quadras de esporte que
podem ser abertas aos jovens.
O Ministério da Saúde está ampliando
seu programa de família para os estudantes. O Ministério
da Justiça se integra com seu programa de jovens nos
territórios vulneráveis. O "Mais Educação"
já está em 5.000 escolas. Mas a tendência
é se expandir -mudanças na legislação
permitem recursos para os municípios que implantem
o tempo integral. A aula pode acontecer em qualquer lugar,
dentro ou fora da escola. Por exemplo: na quadra de esporte
de um quartel.
Por problemas burocráticos ou políticos, São
Paulo não se credenciou para os recursos (R$ 70 mil
por escola) destinados a aumentar a jornada escolar e jogou
o dinheiro fora. Nesse tipo de desenvolvimento local, articulado
por adolescentes como Mayara, está a melhor resposta
para Tainá e Letícia.
PS - Vale a pena prestar muita atenção
na experiência do Instituto Unibanco -é, mais
uma vez, a prova das pequenas soluções que ficam
grandes. Ele ajudou 250 escolas de ensino médio a melhorar
sua gestão e as notas avançaram rapidamente.
Nesse momento, ele está ensinando os próprios
alunos a serem mobilizadores comunitários.
Coluna originalmente publicada na
Folha Online, editoria Cotidiano.
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