Na semana passada, dois gerentes
do HSBC estavam prestes a serem seqüestrados em Bertioga,
no litoral de São Paulo. Foram salvos graças
a uma ligação para o número 0800-156315,
em que policiais foram avisados do provável crime:
os seqüestradores foram presos antes que tivessem êxito.
Lançado em 2000, o Disque-Denúncia levou à
identificação de 37 cativeiros. Segundo especialistas,
a linha direta ajudou a soltar reféns, a desbaratar
quadrilhas e a inibir mais seqüestros devido à
maior dificuldade de manter os esconderijos. É uma
das explicações, além da maior movimentação
policial provocada pelo pânico da opinião pública,
para a redução do número de seqüestros
em São Paulo.
O número de seqüestros caiu, mas continua alto
- na semana passada, para o desespero dos pais, crianças
foram seqüestradas quando voltavam da escola. Certamente,
porém, sem o recurso telefônico o que já
é horrível estaria pior ainda.
O que importa, neste ano eleitoral, é ver o Disque-Denúncia
não só um como instrumento de segurança,
mas como um modelo de engenhosidade, capaz de inspirar os
prefeitos em quase todas as áreas administrativas.
É um extraordinário caso de engenharia comunitária.
O Disque-Denúncia nasceu graças à parceria
de universidades, empresários, mídia e ONGs,
que, diante do crescimento da violência, criaram o Instituto
São Paulo contra a Violência. Sua missão
é propor alternativas para melhorar a segurança.
Num país sem o costume de fazer parcerias entre municípios,
eles montaram um fórum metropolitano de prefeitos para
que se tecessem políticas coordenadas contra a criminalidade.
Entre as várias idéias, surgiu a linha direta
de telefone para estimular o cidadão a denunciar crimes
ou mesmo ações suspeitas.
Como o Disque-Denúncia é um serviço
da sociedade civil, os denunciantes se sentiram menos receosos
de serem descobertos. "Pudemos, com isso, ganhar a confiança
das pessoas", afirma o cientista político Paulo
Mesquita, coordenador do instituto. Eles recebem, diariamente,
cerca de 400 ligações com informações
que vão da violência doméstica ao tráfico
de drogas.
Uma vez transmitida, a informação é
repassada à polícia. O instituto cobra providências
e o denunciante recebe uma senha por meio da qual pode acompanhar
o andamento do caso e saber se algo foi feito.
Além da parceria óbvia com o governo estadual,
as prefeituras ofereceram, como na cidade de São Paulo,
espaço publicitário nos ônibus para a
divulgação do número; a mídia
ajudou gratuitamente a popularizá-lo. Ou seja, todas
as esferas do poder de uma comunidade se envolveram voltadas
para o mesmo foco. É natural que os resultados venham
sendo positivos.
Quem leva a sério os debates nessas eleições
e não se impressiona com as genialidades publicitárias
sabe ou deveria saber o seguinte: um dos principais atributos
de um prefeito é conseguir tecer alianças permanentes,
aumentando a eficiência de suas ações
e reduzindo desperdícios.
É impossível fazer uma boa administração
em regiões metropolitanas (que, a rigor, compõem
uma única cidade) sem um acerto permanente com as prefeituras,
atreladas às ações estaduais, federais
e comunitárias. No debate da TV Bandeirantes entre
os candidatos à Prefeitura de São Paulo, na
quinta-feira, nada se falou sobre esse tipo óbvio de
solução.
O que se fez de mais consistente na gestão de Marta
Suplicy, por exemplo, foram as ações que integram
vários níveis de poder, como os programas de
renda mínima e a recuperação do centro
da cidade. Duvido que, seja qual for o prefeito eleito, se
venha a alterar esse tipo de ação coordenada.
Por isso digo que a melhor idéia nessa sucessão,
até agora, veio do ex-prefeito e ministro da Fazenda,
Antônio Palocci, para quem deveria existir, pelo menos
nas grandes cidades, um comitê formado por representantes
dos governos federal, estadual e municipal. Todos os investimentos
e programas seriam combinados nesses comitês.
Se não forem montadas as redes, é melhor criar
outro tipo de linha direta -apenas para denunciar o desperdício
de recursos públicos. O problema é esta ficar
congestionada -e não funcionar, virando ela própria
um exemplo de desperdício.
PS - Quem está preocupado com a questão da
violência deve ficar atento a números prestes
a serem publicados sobre uma experiência operada em
Diadema, acompanhada por renomados pesquisadores da Universidade
Federal de São Paulo. Lá, nestes últimos
dois anos, foram feitas investidas contra os bares, limitando
seu funcionamento de noite. A taxa de homicídios teve
notável queda. "É uma das mais importantes
experiências realizadas no Brasil, que mostra como reduzir
a violência. Por isso está tendo acompanhamento
mundial", diz o psiquiatra Ronaldo Laranjeira, coordenador
da Unidade de Álcool e Droga da Universidade Federal
de São Paulo.
Coluna originalmente publicada na
Folha de S.Paulo, na editoria Cotidiano.
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