Está em julgamento menos
o governo Marta Suplicy do que a mulher Marta Suplicy -essa
atitude é um sinal de falta de maturidade política.
Não quero dizer que, se o julgamento se aprofundasse
mais no desempenho administrativo e menos nos detalhes de
personalidade, a taxa de rejeição da prefeita,
hoje comparável à de Paulo Maluf, estaria necessariamente
melhor. Quero dizer apenas que a antipatia atrelada à
imagem dela, como mostram as pesquisas feitas pelo Datafolha,
não é um item tão relevante para avaliar
uma gestão.
Simplificando: não considero recomendável, por
exemplo, escolher um médico usando como principal critério
seus sorrisos e simpatia em vez da sua capacidade de curar.
Faz parte do aprendizado da cidadania julgar menos pelo show
mercadológico e mais pelos indicadores concretos para
avaliar a mudança de condições de vida
da população.
Fragilizada eleitoralmente, Marta, para vencer, depende menos
da exposição de dados administrativos que do
polimento da imagem pessoal. Terá de passar por um
polimento assim como as fotos que espalhou pelas ruas, nas
quais, graças aos requintes tecnológicos, parece
ter bem menos idade. Em poucas palavras, ela está nas
mãos de Duda Mendonça.
Pelas mãos do marqueteiro, a presumida arrogância
da candidata será apresentada ao eleitor como uma leitura
errada e preconceituosa da "ousadia" e da "coragem"
de uma mulher decidida a "defender os mais pobres".
A prefeita, de fato, encarou brigas pesadas, mas muito de
sua imagem se deve a atitudes que lembram as de uma adolescente
mimada, irritadiça, prepotente, sem capacidade de lidar
com a frustração. Na linha das ilusões
mercadológicas, vale quase tudo nesse jogo de imagens
-até mesmo, por exemplo, acionar Eduardo Suplicy como
cabo eleitoral da ex-mulher para tentar desfazer a sombra
da traição e estimulá-lo a apresentar
publicamente sua nova namorada.
Considero, aliás, que, nesse caso, ela é mesmo
vítima de preconceito por ter assumido, publicamente,
uma paixão e ter recusado um casamento de aparências.
Pouco disso, porém, é relevante para a vida
pública. Mas a política é, para a imensa
maioria das pessoas, um espetáculo em que o bem e o
mal travam uma luta. O que importa mesmo são questões
aborrecidas. Aqui vão apenas dez exemplos de temas
relevantes que ajudariam avaliar a prefeita:
1) A cidade está quebrada. Até que ponto piorou
o que já era ruim?
2) As obras e programas em realização deixarão
para o sucessor um déficit que vai acabar no bolso
do contribuinte?
3) Algumas obras realizadas em pontos estratégicos
servem mais aos carros ou ao transporte público? Vão
mesmo ajudar a desafogar o trânsito?
4) Os programas de distribuição de renda estão
promovendo, de fato, a emancipação dos mais
pobres ou apenas criando uma esmola pública?
5) Qual é o verdadeiro custo do bilhete único
do ônibus? Ele é sustentável?
6) Com os mesmos recursos destinados aos CEUs seria possível
melhorar a rede regular de ensino, atingindo mais estudantes?
Já existem sinais de que os alunos aprendem mais e
melhor nos CEUs? Os professores foram devidamente reciclados?
7) Por que os serviços de saúde continuam tão
ruins?
8) Os cargos criados na administração pública
foram necessários? Ou apenas se criaram vagas para
apaniguados?
9) A bilionária licitação do lixo atende
mais aos empreiteiros do que à população?
10) Aumentou a carga de impostos dos paulistanos. Foi feito
um esforço para reduzir e racionalizar gastos?
São essas e outras as questões, todas polêmicas,
capazes de formar uma visão sobre o desempenho da prefeita
para que ela seja julgada com base em números.
Reduz-se, assim, na avaliação, o peso de seus
chiliques e dos sinais de "peruíce" e futilidade.
Saem as considerações sobre as vantagens e desvantagens
da troca de Suplicy por Favre. Analisa-se, então, o
que vale a pena analisar: se a cidade poderia estar melhor
do que está -e se alguém supostamente melhor
deve tomar seu lugar ou se ela merece uma segunda chance.
O resto é, reconheço, mais emocionante. Mas
é show.
PS - Além do baixo nível educacional e da vocação
da política para o espetáculo, um fato atrapalha
o uso de critérios mais racionais nas eleições
municipais. Não temos tradição de discussão
de temáticas urbanas e comunitárias. Portanto
não há indicadores claros para medir a gestão
de uma cidade. Temos algumas noções de quando
um presidente vai bem ou vai mal: basta olhar, entre outras
coisas, o nível de emprego, de salário ou de
inflação. Mas o que significa, numa cidade como
São Paulo, um prefeito "ir bem" e como se
mede isso é uma agenda a ser construída.
Coluna originalmente publicada na
Folha de S. Paulo, na editoria Cotidiano.
|