|
Pesquisa do Datafolha divulgada
nesta edição revela que, se a eleição
ocorresse hoje, Marta Suplicy dificilmente conseguiria a reeleição:
perderia, com a estrondosa diferença de 33 pontos,
no segundo turno, para José Serra. Será essa
uma má notícia para a prefeita? Talvez não.
Apesar de representar uma frustração do ponto
de vista da política, essa não é uma
notícia ruim -pelo menos, no âmbito da vida pessoal
dela. Isso ainda que não se confirmem os rumores do
eixo São Paulo-Brasília de que, em caso de insucesso
eleitoral, Marta teria assegurada uma embaixada em Paris.
"Sei que, se eu vencer, terei de passar muito tempo apenas
desmontando bombas-relógio. Minha vida será
um inferno administrativo", diz José Serra, que,
isolado em primeiro lugar, é apontado como favorito
pela pesquisa. Até para ele, portanto, a derrota, com
todos os traumas, traria certo conforto pessoal.
A disputa ainda está no começo. Marta tem espaço
para crescer e para diminuir sua taxa de rejeição,
ainda alta, não muito distante da taxa de Paulo Maluf,
como mostra a pesquisa. Mas, vença quem vencer, um
fato é óbvio (e não vou discutir neste
momento de quem é a culpa): o eleito assumirá
uma cidade quebrada.
Não é exagero perguntar o que está no
título: quem vai salvar São Paulo?
Se o próximo prefeito decidir cumprir a lei, não
conseguirá, na melhor das hipóteses, fazer novos
investimentos. Apenas ficará tapando os buracos para
não interromper a limpeza das ruas ou suspender os
salários dos professores e dos médicos.
Não há nenhuma questão mais relevante
a ser discutida pelos candidatos que a fórmula para
evitar o comprometimento dos serviços municipais. Todo
o resto, nesta altura dos acontecimentos, são detalhes.
Sem apontar caminho para esse problema, qualquer promessa
de campanha será, para bom entendedor, ridícula.
Essas conclusões podem ser extraídas dos números
oficiais, apresentados na quinta pela própria prefeita.
O Orçamento municipal previsto é de R$ 14,4
bilhões.
Mas o serviço da dívida (juros e amortização)
a ser pago no próximo ano, como determina a Lei de
Responsabilidade Fiscal, deveria chegar a cerca de R$ 8 bilhões.
Imagine se você, leitor, tivesse de gastar 55% do que
ganha só para pagar uma dívida e não
pudesse tomar nenhum empréstimo.
Dificilmente um prefeito eleito em São Paulo conseguirá
impor uma nova rodada de aumento de impostos sem enfrentar
um brutal desgaste. Isso significa que terá de fazer
dolorosos cortes e, ao mesmo tempo, tentar, desesperadamente,
renegociar as exigências financeiras e ganhar fôlego.
O cidadão tem motivo em abundância para ficar
perplexo -paga cada vez mais impostos, a começar dos
municipais, no caso de São Paulo. Na semana passada,
por exemplo, viu a Receita Federal bater outro recorde. Alguém
mais bem informado que fizer a conta saberá que, por
ano, pode estar deixando quatro meses de salário na
mão do poder público.
Paga-se sempre mais, os serviços oferecidos podem até
melhorar, mas não na mesma proporção
do aumento de impostos. Cidades do porte de São Paulo
continuam falidas, encalacradas em dívidas.
Esse cidadão certamente comemorou quando soube que
o desemprego, em maio, caiu. Mas ficaria desconfiado se soubesse
que parte dessa queda se deveu a contratações
dos vários níveis do setor público -algo
comum em períodos eleitorais.
Foi algo que ocorreu especialmente na região metropolitana
de São Paulo, onde, a julgar pelos cofres públicos,
não haveria tanta abundância assim de dinheiro.
Há um debate previsível: quem é o responsável
pela situação das finanças paulistanas?
E aí esperem o jogo de empurra-empurra: o PT culpa
o PSDB, o PSDB culpa o PT e todos culpam Maluf e Pitta. Marta
pegou, de fato, uma situação terrível,
uma autêntica herança maldita. Terá de
provar que não deixou essa herança ainda mais
maldita, com suas obras, aumento do funcionalismo e gastos
sociais.
Há um debate mais importante e menos óbvio:
o país terá de decidir se interessa a falência
de sua principal cidade, núcleo do poder econômico
nacional. E, se não interessa, é preciso discutir
o que a União está disposta a fazer -e, se fizer,
como evitar um estouro da boiada para mais renegociações.
Por aí se tem uma leve noção de como
será o sono do próximo prefeito de São
Paulo.
PS - Morto em dezembro do ano passado, o jornalista Haroldo
Cerqueira Lima, mais conhecido como Leleco, virou objeto de
estudo de universitários e está sendo homenageado,
neste mês, pelo Centro Acadêmico da Faculdade
de Comunicação Social da Universidade Tuiuti
do Paraná, em Curitiba. Montou-se ali um centro para
contar a história de Leleco. Trabalhei com ele na sucursal
da Folha em Brasília.
Testemunhei a seriedade com que exercia a profissão,
o que lhe valeu o Prêmio Esso de jornalismo em 1978.
É pedagogicamente valioso que estudantes, prestes a
entrar na profissão, contribuam para que exemplos profissionais
como Leleco sigam servindo de referência.
Coluna originalmente publicada na
Folha de S. Paulo, na editoria Cotidiano.
|