Depois da última saraivada
de evidências de desvios de recursos, exibida na semana
passada e somada à decisão da Justiça
de quebra de sigilo bancário a partir de documentos
enviados pela Suíça, não há meio-termo:
se Paulo Maluf não acabou politicamente, a cidade de
São Paulo acabou moralmente.
Qualquer indivíduo que analisasse com um mínimo
de isenção a papelada já disponível,
mesmo desconsiderando todos os testemunhos feitos ao Ministério
Público, concluiria: uma eventual vitória de
Paulo Maluf só poderia ocorrer em um ambiente de dissolução
moral.
É certo que não há ainda condenação
judicial -e também é certo que, formalmente,
ele tem pleno direito de disputar as eleições.
Portanto o ex-prefeito não pode ser considerado culpado.
Mas o volume de indícios é tão gritante
e os motivos de fundadas desconfianças tão óbvios
que não existe espaço para uma candidatura.
O que está em crise não é um político,
mas um estilo de governar, do qual os propalados desvios de
recursos são apenas uma conseqüência -e
é a isso que interessa prestar atenção
nesta sucessão municipal.
A inegável e até mesmo surpreendente força
de Paulo Maluf está ancorada na suposição,
aceita por larga fatia do eleitorado paulistano, de que eventuais
mazelas são o preço a pagar pela abundância
de obras. Ele soube se apresentar, habilmente, como um fazedor
de pontes, viadutos, passagens subterrâneas, quase confundindo
o papel do engenheiro com o do prefeito.
Não importa tanto que o trânsito, graças
à ênfase no automóvel, só tenha
piorado. Vale que, nas ruas, se apreciem as obras.
Por muito tempo, esse ícone do administrador tocador
de obras seduzirá eleitores, mas, pelo menos em uma
cidade como São Paulo, tem seus dias contados -e não
é por causa de denúncias de roubalheira.
Quaisquer obras que se façam para carros serão
insuficientes diante do aumento constante da frota que circula
pelas ruas. Fazer obras para facilitar o fluxo de automóveis
dentro da cidade é, sem exagero, jogar dinheiro fora.
Sério mesmo seria os governos federal, estadual e municipal
se unirem para ampliar a rede de metrô e abrir mais
espaço para a circulação do transporte
público. O resto é desperdício.
Daí que, mais cedo ou mais tarde, alguém com
coragem política vai implantar, como em Londres, o
pedágio urbano para evitar o colapso do trânsito
em São Paulo e assegurar mais verbas para o transporte
público.
O desperdício do trânsito é apenas a
metáfora do esgotamento de um modelo administrativo.
A questão é como gerir uma cidade internacional
num mundo globalizado e movido a uma velocidade jamais vista
de inovações. Mais: uma cidade que vai perdendo
indústrias e vai se vocacionando aos serviços.
Talvez agora ainda seja um tanto difícil entender o
que vou dizer, mas o principal papel do prefeito é
antes o de ajudar a formar o capital humano que o de fazer
obras. Ou seja, cabe a ele melhorar as condições
para que os indivíduos aprendam melhor e produzam mais.
Isso significa, entre outras coisas, criar melhores escolas
e mais facilidade de acesso a bens culturais e de lazer, além
de elaborar um plano para simplificar a vida de quem quer
trabalhar ou abrir um negócio. As dificuldades para
abrir um negócio hoje, com tantas normas e impostos,
são um gigantesco desestímulo ao espírito
empreendedor.
A eficiência do prefeito estará na habilidade
de gerir todos os recursos para ampliar a qualificação
da comunidade. Isso exige mais que obras, exige uma sofisticada
engenharia de gestão para que se articulem políticas
federais, estaduais, municipais e não-governamentais
focadas na geração e apreensão de conhecimento
dos indivíduos e das empresas.
Admito que ainda é um pouco cedo para o grosso do eleitorado
entender o valor de uma cidade educadora, em que se valorize
o espírito empreendedor, mas estou convencido de que
isso é só uma questão de tempo.
PS - Um simples exemplo do que significa gerir recursos -em
vez de construir obras- já foi lançado como
idéia na campanha paulistana. É um detalhe,
mas simbólico. O sambódromo fica, na maior parte
do tempo, ocioso. José Serra está propondo torná-lo
área complementar à escola, com atividades culturais
e esportivas. Retoma idéia que constava dos projetos
de Luiza Erundina, que construiu, quando prefeita, o espaço.
Outro símbolo é o fechamento da avenida Paulista,
aos domingos, implantado por Marta Suplicy, para atividades
culturais e esportivas em associação com entidades
comunitárias; está nos planos para este ano
formar mais corredores do lazer, impedindo o trânsito
de carros e unindo várias avenidas entre os parques.
A prefeita se mostra muito mais conectada com o futuro quando
fecha uma rua para os pedestres (o que é barato e gera
contato humano) do que quando abre buracos para os carros
passarem (o que é custoso e pouco resolve).
Coluna originalmente publicada na Folha de S. Paulo,
na editoria Cotidiano.
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