O francês Roger Henri vestia
o terno, colocava a gravata, ajeitava o lenço no bolso
do paletó e levava, nos domingos, sua filha Marie para
passear pelas praças do centro da cidade. Uma daquelas
paisagens, de tão familiar e íntima, era como
se fosse a extensão da casa deles: o largo do Arouche,
com suas bancas de flores.
Para não perder a intimidade com essa paisagem, Marie
deu, há 17 anos, uma reviravolta em seu projeto de
vida. Ela tinha estudado administração de empresas,
com especialização em recursos humanos, depois
fez uma pós-graduação em filosofia da
educação. Pouco a ver com o negócio de
seus pais, o restaurante La Casserole, que, para os paulistanos,
é uma espécie de extensão do largo do
Arouche, tão integrante da paisagem como a banca de
flores.
Um dia, o pai lhe perguntou: "Você vai assumir
o restaurante?". O primeiro reflexo foi o de dizer "não",
lembra-se Marie. Roger disse-lhe, então, que estava
cansado e que iria vender seu negócio, quem sabe ajudasse
seus fiéis garçons a formarem uma cooperativa
para substituí-lo. "Não consegui conviver
com a idéia de que iria passar por ali e me sentir
uma estranha."
Como cresceu ouvindo em casa segredos de receitas culinárias
francesas, Marie topou. Mas o largo do Arouche, acompanhando
o movimento do centro, perdeu charme e entrou em processo
de degradação, de abandono. "Uma tristeza",
lamenta. O crack e os mendigos espalhavam-se pela região.
Tradicionais restaurantes mudaram-se, com suas clientelas,
para os Jardins. "Não sabia se conseguiríamos
sobreviver. Até pensamos em fechar, mas nunca fizemos
nada para isso." Resistiram e mantiveram uma parte da
freguesia.
Valeu a pena resistir. Ao completar agora 50 anos, o La Casserole
não apenas assiste à recuperação
do centro -e, com ela, à chegada de novos comensais-
mas, especialmente, aposta no projeto de melhorias do largo
do Arouche. Uma empresa se dispôs a reurbanizar a área,
consertando piso, cuidando dos jardins, trocando a iluminação,
reformando a banca de flores -toques que vão devolver
as imagens da elegância perdida de São Paulo,
mantida na memória de Marie graças às
lembranças de crianças pedalando bicicletas
-mas, sobretudo, ao impecável terno de seu pai.
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