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Numa das mais ousadas experiências
desenvolvidas atualmente em uma escola pública no Brasil,
pais de alunos estimularam a derrubada das paredes das salas
de aula. Surgiram, no lugar delas, amplos espaços multidisciplinares.
Os alunos se dividem em pequenos grupos, cuja tarefa é,
essencialmente, pesquisar e produzir conhecimento, orientados
pelos professores das mais diferentes matérias compartilhando
o mesmo espaço.
Os grupos circulam por vários ambientes e mesclam aulas
de capoeira, teatro, ecologia e jogos com o currículo
tradicional de português, estudos sociais, ciências
e matemática. O aprendizado não é medido
por testes burocráticos, mas pelo desenvolvimento de
habilidades e pela capacidade de associação
de idéias.Apesar de contar com o estímulo oficial,
não há ali nenhum recurso público extra.
Atingiu-se tal ponto de sofisticação devido
à ação das famílias e da comunidade
em articulação com os educadores. Neste fim
de semana, por exemplo, pais, alunos e professores decidiram
reunir-se, em torno de uma macarronada, para produzir painéis
e embelezar essa escola municipal (Amorin Lima), no Butantã,
bairro de classe média da cidade de São Paulo.
Esse laboratório comunitário dá uma extraordinária
lição - e talvez a menos importante seja a de
pedagogia- aos candidatos à prefeitura paulistana.
O debate sobre a eleição paulistana transmite
a impressão de que a cidade está em segundo
lugar. A preocupação das elites políticas
está centrada no impacto da eleição no
cenário federal e estadual.
Nos bastidores, especula-se se o vencedor usaria o cargo apenas
como um trampolim para projetos maiores, de curto prazo. Marta
Suplicy talvez, quem sabe, viesse a disputar o governo estadual;
ganhando nas urnas, José Serra analisaria a possibilidade
de dar mais um salto antes mesmo de acabar seu mandato. Paulo
Maluf precisaria de palanque para se defender das denúncias
cada vez mais avassaladoras da existência de contas
bancárias em seu nome no exterior.
Marta e Serra me disseram que pretendem cumprir, se eleitos,
o mandato. A ver. É certo, porém, que encaram,
em algum grau, a prefeitura como uma passagem, o que, diga-se,
é legítimo e compreensível -enfim, faz
parte da vida política. Mas vão ter de provar
que, se eleitos, vão mergulhar na efervescência
de São Paulo, cenário de uma ofensiva comunitária
jamais vista na cidade, na qual aquela escola transformada
em laboratório é um dos muitos sinais -é
uma reação à violência, à
pobreza, à degradação urbana, movida
pela constatação de que o poder público
não irá muito longe sem parcerias.
Disseminam-se associações para cuidar não
apenas de bairros mas especificamente de ruas, praças
e parques. E até mesmo de árvores e de monumentos.
Arquitetos ajudam a embelezar favelas como a Heliópolis.
Cansados da feiúra, comerciantes tiram dinheiro do
próprio bolso para melhorar as calçadas em frente
às suas lojas e bancam intervenções paisagísticas.
Construtoras fazem melhorias nas comunidades em torno de seus
empreendimentos para não ter obras embargadas, ganhar
simpatia ou ter seus imóveis valorizados.
Um dos mais interessantes sinais da reviravolta urbana ocorre
na recuperação do centro da cidade, que está
visivelmente melhor. Tudo começou com a reação
da comunidade e agora se multiplicam ações que
(coisa rara no Brasil) agregam vários departamentos
dos governos municipal, estadual e federal, além da
iniciativa privada.
Alguns dos programas de complementação de renda
são resultado de uma engenhosa teia formada por verbas
de todos os níveis de governo.
Museus, teatros, cinemas, orquestras, livrarias e espaços
culturais desenvolvem programas de inclusão educacional,
seja atraindo alunos de escolas públicas, seja formando
professores. Pela periferia, multiplicam-se cursinhos pré-vestibulares
gratuitos e uma infinidade de projetos de protagonismo juvenil,
muitos dos quais na arte, como os voltados para o grafite
e para o hip hop.
Como é o centro brasileiro do chamado terceiro setor
-não há na cidade uma só grande empresa
que não patrocine um projeto comunitário-, São
Paulo só poderia ser naturalmente a grande escola de
experiências comunitárias do país. É
o berço da responsabilidade social das empresas. A
Bolsa de Valores de São Paulo, por exemplo, inventou
um pregão apenas para investidores drenarem recursos
a projetos sociais. Preparam-se, no setor financeiro, linhas
de empréstimo a empresas socialmente conscientes.
É profundo o esforço de reciclar mão-de-obra
daqui para se adaptar à vocação de serviços,
em que moda, culinária, marketing, propaganda, medicina
e finanças, entre outros setores, geram excelência
e cosmopolitismo.
De acordo com o que acompanho de outras cidades pelo mundo,
como Bogotá, Cidade do México, Nova York, Chicago,
Boston e Barcelona, é possível dizer que São
Paulo é um gerador de experiências, o que a torna
referência como laboratório social. Quem não
percebe isso simplesmente não conhece a cidade.
A combinação fértil (embora dolorosa)
de riqueza humana -afinal, somos o pólo mais importante
do capital humano brasileiro- com degradação
urbana fez de São Paulo não apenas um desafio
mas uma monumental aventura contemporânea.
O fato novo é o nascimento de um sentido de coletividade,
de pertencimento. Esse movimento será reforçado
se o prefeito não encarar a prefeitura como um meio,
mas como um fim; que não queira só "ficar"
com a cidade, mas se casar com ela ou, pelo menos, namorá-la
profundamente.
PS - Pode-se discutir a eficiência ou validade do CEU
como escola, mas não como um centro comunitário
em bairros sem equipamentos culturais. Seria péssimo
se, numa eventual derrota de Marta, aquele projeto, a exemplo
do que ocorreu com escolas desse tipo, entrasse em crise.
É o risco que correm planos feitos para servir de marca
de um governo e/ou de um governante -mas, nesse caso, isso
precisa ser evitado.
Esta coluna é publicada originalmente na Folha
de S.Paulo, na editoria Cotdiano.
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