Pesquisa Datafolha divulgada nesta
edição informa que, se a eleição
fosse hoje, Marta Suplicy teria dificuldade não apenas
de vencer a disputa à prefeitura mas até mesmo
de chegar ao segundo turno. Como explicar que, depois de tantos
anos gastando tanto dinheiro em publicidade, investindo tantos
recursos em programas sociais na periferia e exposta tão
abundantemente pela mídia, ela carregue um índice
de rejeição tão ruim como o de Paulo
Maluf?
Maluf, afinal, quase só aparece na mídia para
falar das acusações de desvio de dinheiro extraído
de obras públicas para contas secretas no exterior;
os documentos exibidos estão longe de desfazer tais
suspeitas. Sem contar que uma de suas obras -Celso Pitta-
está respondendo a denúncias de roubalheira.
Apenas problemas administrativos -as taxas, denúncias
de corrupção, as obras entupindo ainda mais
o trânsito, as enchentes etc.- não bastam para
entender as vulnerabilidades eleitorais da prefeita. Há
um jogo psicológico mais sutil.
Marta costuma apontar os preconceitos contra as mulheres,
ou seja, o machismo como um dos combustíveis a críticas
e antipatias que lhe são dirigidas. Até certo
ponto, é verdade. Fosse um homem a separar-se da mulher
logo depois de eleito, possivelmente o caso teria menos restrições.
É certo também que, apesar de todos os avanços
(e não foram poucos), não se aceita plenamente
a igualdade entre homens e mulheres. Cuidados com a aparência
são encarados como uma dimensão não da
feminilidade, mas da futilidade, especialmente entre governantes.
A tradução instantânea é que gente
fútil não deve ser levada a sério.
A complexidade de Marta Suplicy está em combinar o
apego ao que se entende por futilidade, da qual o botox é
o mais poderoso símbolo, com a vivência administrativa
em um partido nascido entre operários. Não temos
o hábito de assistir a mulheres vestidas com roupas
chiques, de salto alto, andando pela periferia -especialmente
quando se dizem de esquerda. As doses de botox, os penteados
e a variedade de vestidos e de sapatos encaixam-se no paradigma
do que se convencionou chamar de "perua", mas, é
claro, seria uma simplificação grosseira reduzi-la
desse jeito.
Marta tem um estilo direto, franco e duro de dar suas opiniões,
distante do papel esperado da mulher -dócil, compreensiva,
tolerante, ou seja, a mãe. E, aí, esbarra no
preconceito e na natural rejeição de quem não
gosta de críticas ditas sem rodeios.
Mas, ao mesmo tempo, ela muitas vezes reage às críticas
como uma jovem mimada e imatura, cheia de vontades e com dificuldade
de lidar com frustrações. Não foram poucas
as pessoas que se ofenderam com sua rispidez, que resvalou
para a falta de polidez. Aquela famosa cena em que a prefeita
bateu boca com uma moradora da zona leste que estava desesperada
com as enchentes não é um episódio isolado,
mas sinal de um temperamento.
Segundo pesquisas do Datafolha, uma quantidade enorme de
paulistanos acredita (e cada vez mais) que a prefeita seja
orgulhosa, antipática e autoritária. Não
estão tirando essa impressão, vamos reconhecer,
do nada. A percepção dessas características
leva muitos a julgá-la antes do ponto de vista pessoal
do que do administrativo.
Nada disso significa que vá perder a disputa. O jogo
apenas começou. O governo dela tem, de fato, algumas
ações elogiáveis na área social.
Muitas obras foram espertamente concentradas neste ano -os
CEUs, cuja perenidade está para ser testada, servirão
de vitrine. Mas, acima de tudo, os marqueteiros são
bons em mudar a imagem carregada dos candidatos.
Duda Mendonça, por exemplo, que está na lista
de prováveis marqueteiros do PT em São Paulo,
fez um "humilde" Lula vencer na cidade de São
Paulo, elegeu prefeitos -um "amoroso" Maluf e um
"eficaz" Pitta-, o que, olhando hoje, indica a extraordinária
habilidade do publicitário para conversar com a alma
dos paulistanos. Mas não será fácil.
PS - Sentei-me com Serra por duas horas apenas para ver se
ele me respondia a uma pergunta: a prefeitura é apenas
um trampolim para algum cargo a ser disputado em 2006? Considero
essa pergunta vital: ninguém vai ser um prefeito razoável
se, eleito, entrar em campanha para governador ou presidente.
Ele ainda não transpira o encanto de governar a cidade,
talvez ainda ligado emocionalmente ao sonho presidencial.
Não tem, por enquanto, um diagnóstico profundo
dos problemas de São Paulo. Não tem, muito menos,
um projeto, algo que pretende construir nos próximos
meses, mas afirmou que deixar o mandato no meio seria um gesto
de mau administrador. Olhando no olho, disse que poderia ser
qualificado de "irresponsável" e de "leviano".
Bons e convincentes argumentos, reconheço. Como sei
das paixões e conveniências da política
(e dos projetos de Serra), prefiro aguardar antes de assegurar
aos leitores que ele não sairia candidato a alguma
coisa se eleito -algo que, na minha opinião, seria
mesmo leviano e irresponsável.
Esta coluna é publicada originalmente
na Folha de S.Paulo, na editoria Cotdiano.
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