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Há um fato quase desconhecido,
capaz de surpreender até mesmo especialistas na realidade
social brasileira. Da população empregada na
cidade de São Paulo no mês passado, cerca de
46% têm diploma de ensino médio ou superior.
O que impressiona, porém, é a evolução
desse indicador nos últimos 20 anos.
Considerando os dados de escolaridade de quem trabalha em
São Paulo, segundo a
Fundação Seade, notamos que o salto é
expressivo. Em 1985, apenas 27% dos profissionais estavam
naquela faixa de escolaridade. Em apenas uma geração,
portanto, por pouco não se dobra o número de
pessoas ocupadas com, no mínimo, 11 anos anos de estudo.
Nesse período, o número de diplomados em alguma
faculdade saltou de 9,8% para 14,6%.
Em 1985, 55% deles tinham só o ensino fundamental incompleto;
agora, essa porcentagem baixou para 31%. Isso significa que,
ano a ano, mais centenas de milhares de jovens cursam o ensino
médio e superior. Em mais 20 anos, a seguir esse ritmo,
quase todos terão, pelo menos, o ensino médio;
um em cada três profissionais exibirá canudo
universitário. Que significam esses números?
Significam várias coisas. Uma delas é positiva:
as grandes cidades no geral e as metrópoles em particular
estão promovendo um boom de conhecimento como nunca
se viu em nossa história. Outra é negativa:
não estamos preparados para essa demanda.
Mais uma prova desse despreparo foi divulgada na segunda,
numa pesquisa da Unesco sobre o perfil do professor brasileiro
das redes pública e privada. Veja o drama: 1) 45% nunca
foram ou foram só uma vez a um museu; 2) 40% nunca
foram ou foram só uma vez ao teatro; 3) 25% nunca foram
ou foram só uma vez ao cinema. Na chamada era do conhecimento,
cerca de 60% não usam internet ou e-mail.
Até porque sabem bem onde trabalham, alguns dos professores
de escolas públicas optam (outros, se pudessem, optariam)
por matricular seus filhos numa instituição
particular.
Alguém sabe como se cria uma nação democrática
sem escola pública de qualidade? Alguém sabe
como se faz uma boa escola sem bons professores, conectados
com o mundo? Resposta óbvia: isso é impossível.
Sei que é exigir muito, mas a melhor ação
que o prefeito a ser eleito neste ano pode fazer para aprimorar
o capital humano -a maior riqueza de sua comunidade- é
investir na formação dos professores. Eleitoralmente,
até compreendo por que não se investe mais dinheiro
e energia nessa formação. São ações
invisíveis, ao contrário da inauguração
de obras. Além disso, a semente plantada hoje será
colhida por outra pessoa -talvez muito tempo depois. Para
complicar, a opinião pública não demanda
essa prioridade, refém que é, muitas vezes,
do show de marketing -ou, pior, refém da ignorância.
O que mais existe, até agora, são projetos fracos,
inconsistentes, limitados, ao lado de algumas experiências
que, embora sejam férteis, ainda estão escassamente
disseminadas. No geral, o professor, principalmente de instituições
públicas, é massacrado em salas superlotadas,
com equipamentos defasados, em meio a alunos e famílias
desmotivadas etc. Na prática, são heróis,
cujo entusiasmo acaba sendo implacavelmente corroído.
A receita para o bom desempenho nem precisa ser inventada.
Esteve na semana passada, no Brasil, Ary Wilson, referência
nos Estados Unidos graças a suas experiências
em escolas deterioradas em seu país. Ele virou uma
estrela porque fez a lição de casa em escolas
tidas como condenadas, localizadas em bairros pobres e violentos.
Fez delas exemplos de aprendizado. Uma de suas dicas: os diretores
devem ser não apenas profissionais habilitados a lidar
com pedagogia mas líderes comunitários. "É
o princípio básico de uma escola de qualidade",
diz. "Eles são a peça motivadora dos professores,
conectados com a riqueza comunitária."
Em geral, os programas de gestores escolares no Brasil formam,
na melhor das hipóteses, pessoas limitadas à
sala de aula. É tão óbvio que esse é
o investimento mais barato que se pode fazer em educação
e o de melhor retorno, mas pouco (para não dizer quase
nada) se faz.
Uma das medidas, entre tantas, para avaliar a seriedade de
um candidato a prefeito é saber o que pensa (e o que
pretende fazer) para promover a qualidade dos professores
e facilitar-lhes o acesso a bens culturais. O fenômeno
paulistano, afinal, é só a vanguarda de uma
tendência nacional.
Professor sem internet, que não lê jornal nem
livro, não vai a museu nem a teatro, pode ser qualquer
coisa menos um bom professor. É um professor que até
pode conhecer alguns conteúdos curriculares, mas que,
na prática, não sabe nada.
PS - Uma das melhores iniciativas comunitárias para
ajudar os professores é dar-lhes o que chamo de "kit
cultural". Através de parcerias com empresas e
poder público, eles deveriam ter descontos para teatro,
museus, cinema e concertos, além de facilidade para
comprar livros, revistas e jornais. Esse é um investimento
baratíssimo considerando o retorno. E, além
de tudo, poderiam ser usadas leis de incentivo fiscal já
existentes. Não é discriminação,
mas apenas aposta num fator vital de desenvolvimento coletivo.
Esta coluna é publicada originalmente
na Folha S.Paulo, na editoria Cotidiano.
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