Quando está na fazenda e
quer esquecer as preocupações, Mônica
Falcone dirige sozinha um jipe pelas estradas de terra ouvindo
música em alto volume. A combinação de
paisagem bucólica, vento, cheiro de mato, som e velocidade
consegue deixá-la relaxada. Pela primeira vez, na quinta
passada, resolveu testar essa terapia automobilística
pelas ruas congestionadas de São Paulo. Foi a última
vez.
Como a paisagem jamais seria remotamente parecida com a do
campo e não estava disposta a ficar de janela aberta,
sobrou-lhe então pilotar o jipe Hilux, da Toyota, utilizado
apenas para viajar até a fazenda. Colocou para tocar
musicas românticas cantadas por Caetano Veloso.
Entretida com as melodias, não notou dois jovens, no
semáforo, apontando-lhe um revólver calibre
38 e exigindo que abrisse o vidro. Desde que voltara da Itália,
onde morou por 20 anos e decidiu trocar o jornalismo pela
culinária, Mônica sentia-se razoavelmente protegida.
"Depois de tanto tempo morando no exterior, fui me sentir
mesmo estrangeira em minha própria terra."
A cena teve um toque de realismo mágico, tudo acompanhado
pela suavidade musical de Caetano. Os dois só a tratavam,
gentilmente, por senhora. "A senhora não se preocupe,
nunca mataria ninguém. Meu pai morreu assassinado,
sei como isso estraga uma família", disse um,
incomodado com os prantos. Ela, maternal, disse que tinha
um filho da idade deles e recomendou: "Nunca mate ninguém,
mais cedo ou mais tarde pegam você".
Os jovens não conheciam as ruas e Mônica estava
nervosa. A caminho da marginal Pinheiros, erraram o caminho.
"A senhora tem o seguro do carro?", o rapaz que
pilotava quis saber. "Sei lá, por quê?"
Não queriam levar dinheiro nem cartões, só
o carro. Ele disse que ficaria mais tranqüilo se o jipe
estivesse no seguro. O carro, avisou, seria desmanchado ou
mudaria de país. Nunca mais seria recuperado. De tão
visado, esse tipo de jipe não é aceito por algumas
seguradoras.
Mônica foi deixada numa esquina, nas proximidades de
Pinheiros. Quando saía, aliviada, do carro, ouviu a
última pergunta do rapaz ao volante: "Quem está
cantando é o Caetano?". Diante da resposta positiva,
ele sorriu e cumprimentou: "A senhora tem muito bom gosto".
Desorientada, amedrontada e sozinha em uma esquina, sem o
celular, Mônica viu o jipe se distanciar, com os jovens
ouvindo Caetano interpretar músicas americanas no mais
recente trabalho, "A Foreign Sound" (um som estrangeiro).
Esta coluna é publicada originalmente
na Folha S.Paulo, na editoria Cotidiano.
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