Na manhã fria e ensolarada de domingo passado, trafegava pelas ruas
vazias, em direção à avenida Paulista,
para uma exposição de carros antigos, a única
Romi-Isetta que ainda conduz passageiros regularmente, nos
dias de semana, pela cidade de São Paulo. A sobrevivência
desse estranho automóvel ovalado, de três rodas,
cuja direção está presa à porta
e em que cabem apenas duas pessoas, tem mais uma peculiaridade
a se destacar na frota de 5,6 milhões de veículos
da cidade: ali entra apenas uma mulher. É um duplo
caso de amor.
Antônio Carlos Migotto atribui a conquista da mulher
amada -Silmara- em parte aos encantos da Romi-Isetta, cuja
fabricação se encerrou no início da década
de 60. Durante muito tempo, ele tentava chamar a atenção
de Silmara, caixa do banco do qual era cliente. Nada funcionava.
Até que ela viu o simpático automóvel
com jeito de brinquedo de criança. "Convidei-a
a ir até Santos", lembra-se Antônio Carlos.
Prometeu não se separar nunca de Silmara. Nem da Romi-Isetta.
Desde então, decidiu que não daria carona a
mais nenhuma mulher. "Estou cumprindo minha palavra.
Não quero despertar ciúmes." Na sua obsessão
de colecionador, ele comprou mais 12 exemplares, que guarda
em casa, mas não funcionam: usou as peças para
manter viva a Romi-Isetta oficial. "As crianças
pensam que é brinquedo e os mais velhos sentem saudades."
Antônio Carlos, entretanto, não se sente ligado
ao passado -pelo contrário, sente-se em sintonia com
o futuro. "Sinceramente, acho mesmo que estou no veículo
do futuro." Gasta pouco combustível (cerca de
25 quilômetros rodados por litro) e ocupa metade do
espaço de um carro comum. "Com ele, é mais
fácil encontrar vaga para estacionar e driblar o congestionamento."
A desvantagem seria, em tese, a potência do motor,
que consegue atingir uma velocidade de 60 km por hora. Esse
caso de amor, porém, teve um final feliz até
mesmo nesse quesito tecnológico. De acordo com estatísticas
oficiais, a velocidade média da cidade, no mês
de abril, foi de 23 km por hora durante a tarde. Na avenida
Brigadeiro Faria Lima, por exemplo, a média é
de 18 km por hora nesse período -coisas da modernidade
que fazem da Romi-Isetta, por incrível que pareça,
um veículo possante.
Coluna originalmente publicada
na Folha de S. Paulo, na editoria Cotidiano.
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