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A sucessão municipal não
está ajudando a esclarecer o significado dos CEUs (Centros
Educacionais Unificados). Embora eles sejam um dos tópicos
centrais da eleição paulistana, nem a prefeita
Marta Suplicy nem seus opositores conseguem explicar ou criticar
adequadamente os chamados "escolões".
A oposição manipula quando compara o custo de
uma escola normal com o de um CEU. Não há termos
de comparação, e os críticos da experiência
deveriam saber disso. Um CEU é, além de sala
de aula, um complexo comunitário e cultural, com piscina,
teatro, telecentro etc. Daí custar mais: R$ 17 milhões
para construir cada um e R$ 500 mil mensais para mantê-lo
funcionando. A comunidade recebe também atividades
esportivas e culturais.
Tal manipulação só é possível,
porém, graças à outra manipulação:
a manipulação da prefeitura.
Na propaganda oficial, os CEUs são apresentados como
uma "revolução educacional". Errado:
o menos importante da experiência é ser uma escola.
Explico melhor.
Os 21 "escolões" atendem a menos de 5% dos
estudantes municipais, ou seja, são 50 mil crianças
em meio a 1 milhão de alunos das demais escolas.
Se usarmos apenas o critério educacional, há
mais argumentos para atacar do que para defender a idéia.
Afinal, não foram ainda desativadas as escolas de lata
e, pior ainda, calcula-se em 170 mil o número de crianças
de quatro a seis anos fora das salas de aula.
Nas escolas de lata, há 50 mil alunos, exatamente o
mesmo número de estudantes dos CEUs.
Desse ponto de vista, é como alguém, ao reformar
uma casa, instalar uma banheira jacuzzi enquanto a cozinha
permanece cheia de vazamentos.
Isso significa que a experiência não presta?
Não. Significa que o argumento básico usado
para defender os CEUs -a melhoria da educação
pública- é limitado. E a razão de a prefeitura
usar esse argumento, embora não admitida, é
simples: para gastar tanto dinheiro em esporte e cultura,
seria necessário usar a rubrica orçamentária
da educação.
Se fossem apresentados não como escolas com centros
comunitários, mas como centros comunitários
com escolas, haveria mais argumentos favoráveis do
que contrários -especialmente se a conta fosse mais
bem rateada.
É importante que, em regiões desoladas, sejam
produzidos capital social e espaços em que as pessoas
se sintam cidadãs, misturando cultura, esporte, educação
e até geração de renda -uma política
decisiva quando se deseja prevenir a violência.
Tanto isso é verdade que o PSDB, em São Paulo,
adversário dos CEUs, pretende construir na periferia
centros culturais voltados para jovens.
Como centros comunitários, os CEUs mostram impacto
muitas vezes maior do que suas salas de aula, que abrigam
apenas 5% da população estudantil das escolas
municipais.
Resumindo: como escola, aquele espaço é maravilhoso,
enche os olhos, emociona até, mas é um privilégio
para poucos e jamais será universalizado numa cidade
quebrada como São Paulo; como centro comunitário
cultural e esportivo, é uma experiência valiosa
que reduz a exclusão social.
Para saber se o gasto vale ou não a pena, o eleitor
que não se impressiona com o marketing oficial nem
com a manipulação oposicionista terá
de responder, com base em suas prioridades e valores, à
seguinte questão: seria melhor para a cidade criar
centros culturais e esportivos para os pobres ou utilizar
todos os recursos para melhorar o sistema regular de ensino?
Admito que tenho dificuldade de criticar os CEUs; há
anos, nesta Folha, defendo experiências desse molde
para o enfrentamento da pobreza. Nenhum educador brasileiro
me influenciou mais que Anísio Teixeira, o inventor
da escola-parque, onde se localiza o DNA da experiência
paulistana. Mas, se dependesse de mim, investiria toda a verba
dos CEUs na melhoria da educação infantil. Para
começar, nenhuma criança de quatro a seis anos
deveria ficar fora da escola. A fase de zero a seis anos é
decisiva para o desenvolvimento do ser humano.
Os CEUs, porém, já estão construídos
e são um avanço para as populações
mais pobres. Pode ser uma estratégica educacional duvidosa,
mas é uma ação adequada para valorizar
a periferia, dominada pela violência. Seria um crime
o dinheiro investido sair pelo ralo em caso de derrota de
Marta Suplicy.
PS - O risco mais grave dos CEUs é o marketing. Marta
Suplicy transformou-os em peça publicitária
para se reeleger. Não há um único educador
sério capaz de ver nisso uma "revolução
educacional", como vem sendo propagandeado. Pode até
gostar e até elogiar o projeto, mas falar em revolução
é uma monumental impropriedade só justificada
pela esperteza de quem a divulga e pela ignorância de
quem a ouve. O personalismo e as eleições não
permitiram que o projeto se transformasse numa marca social
da cidade -e ele acabou sendo a marca de uma pessoa e de um
partido.
Esse é o melhor caminho para que os sucessores, como
já aconteceu com experiências similares, irresponsavelmente
desprezem a obra. Daí que, até agora, a melhor
sugestão, aceita por José Serra, veio de Luiza
Erundina: fazer um consórcio dos governos federal e
estadual para assumir os CEUs, abrindo-os para programas das
escolas técnicas e de ensino médio.
Esta coluna é publicada originalmente na Folha de
S. Paulo, na editoria Cotidiano.
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