O que deveria ser um despretensioso
curso de espanhol acabou se transformando em um tratamento
psicológico.
A artista plástica chilena Juana Balcazar dispôs-se
a ensinar espanhol na Casa do Adolescente, instalada nos fundos
de um centro de saúde, em Pinheiros. Ali funciona uma
espécie de laboratório de saúde pública
focado apenas nos jovens. Nesse ambiente de experimentações,
Juana sentiu-se tentada a fazer um teste de educação
afetiva. As aulas seriam orientadas pela leitura e pela escrita
de poemas e cartas de amor.
Imaginou que pudesse motivar especialmente as meninas, muitas
das quais ameaçadas do risco de gravidez precoce e
de doenças sexualmente transmissíveis, fazendo
uma trama entre a língua espanhola e as dores e alegrias
do afeto. "Achei que fosse um jeito de me aproximar delas."
Socorreu-se, então, de Neruda.
A obra "Vinte Poemas de Amor e uma Canção
Desesperada", de Neruda, foi um dos textos usados por
Juana. Uma aula inteira foi centrada em um verso do poema
de número 20: "Posso escrever os versos mais tristes
esta noite". A escolha de Neruda também envolvia
uma questão pessoal.
No Chile, de onde saiu depois do golpe militar, Juana tinha
contato com o poeta; ambos militavam no Partido Comunista.
Chegou a ser convidada a ilustrar uma de suas poesias. "Para
mim, como para muitos dos chilenos, Neruda era a nossa voz."
Depois do golpe militar, Juana veio morar em São Paulo,
onde decidiu viver para sempre. "O exílio faz
com que tenhamos as noites mais tristes."
Com base nas palavras que iam aprendendo durante a leitura
das poesias, as meninas escreviam cartas a seus namorados
ou amores platônicos. Com sua didática do afeto,
Juana acabou involuntariamente se aproximando ainda mais de
Neruda. Há um filme intitulado "O Carteiro e o
Poeta", em que Neruda, vivendo exilado, ensina um humilde
carteiro a expressar, no papel, sua paixão pela mulher
amada e aparentemente inatingível.
O método de Juana pode não estar ajudando a
produzir nem poetisas nem bilíngües, mas está
funcionando para elevar a auto-estima das jovens. A Casa do
Adolescente resolveu também oferecer aulas de inglês
tomando como ponto de partida cartas e poesias de amor. "A
descoberta das palavras acaba se misturando com a descoberta
das emoções. Com base nisso, todos conversam
sobre seus problemas."
Coluna originalmente publicada na Folha
de S. Paulo, na editoria Cotidiano. |