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Reunidas
diariamente numa pequena casa de cem metros quadrados, quase
escondida atrás de um centro de saúde, na cidade
de São Paulo, adolescentes de famílias pobres
participam de uma experiência em que aprendem a evitar
a gravidez. A precariedade das instalações do
programa, batizado de Casa do Adolescente, não reflete
a grandiosidade dos resultados a que tem chegado.
Afinal, apenas 5% das jovens que freqüentam a casa ficam
grávidas antes de completar 20 anos. É um expressivo
contraste com a média nacional, que atinge os 26%.
Tradução dos 26%: todos os anos, 1 milhão
de brasileiras muito jovens, a imensa maioria delas pobres,
tornam-se mães ainda mais vulneráveis para continuar
os estudos e educar os filhos.
Tradução dos 5%: já é conhecida
a cura contra a epidemia da maternidade precoce.
Se a média nacional de partos precoces fosse de 5%,
teríamos o seguinte: aproximadamente menos 950 mil
brasileiras (cerca de 13 estádios do Maracanã
superlotados) entre dez e 20 anos de idade seriam mães
anualmente.
Menos 220 mil adolescentes não teriam, a cada período
letivo, de deixar a escola para cuidar dos filhos. Pesquisas
divulgadas na semana passada pela Unesco informam que, além
de ser a terceira causa de morte de adolescentes, a gravidez
precoce é a maior causa de evasão escolar entre
as meninas.
Menos 26 mil crianças, entre dez e 14 anos, não
seriam mães todos os anos.
A história da Casa do Adolescente teve início
em 1996, quando professores da Universidade de São
Paulo transformaram a moradia de um zelador de uma unidade
básica de saúde num centro de referência
da saúde para jovens.
Para dar um atendimento integral, a Casa do Adolescente contratou
uma equipe multidisciplinar, com profissionais de fonoaudiologia,
clínica geral, ginecologia, nutrição
e urologia. Na casa, os jovens têm acesso não
só a consultas médicas mas também à
distribuição de pílulas anticoncepcionais,
de camisinhas, de DIUs e das chamadas pílulas do dia
seguinte.
A principal descoberta foi a de que o atendimento integral
deveria ser mais do que oferecer consultas nas mais diversas
especialidades e medicamentos. "O problema da gravidez
precoce não é de informação. Os
jovens sabem como a gravidez ocorre", afirma a professora
de ginecologia da Universidade de São Paulo, Albertina
Duarte Takiuti, responsável pelo programa de jovens
da Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo
e principal idealizadora do centro de referência. Albertina
já se viu obrigada a fazer partos em crianças
de dez anos de idade.
Ela ficava intrigada com o fato de que muitas jovens freqüentavam
o centro de referência, mas engravidavam apesar de todos
os recursos disponíveis gratuitamente. Uma pesquisa
apontou as pistas: as meninas recusavam-se a usar camisinha
com medo de serem rejeitadas. "Ampliamos nosso foco",
conta Albertina.
A Casa do Adolescente começou a trabalhar com a auto-estima
da adolescente. Psicólogos e fisioterapeutas agregaram-se
ao projeto. Numa das salas, montou-se um consultório
odontológico.
Testaram-se vários recursos para que a jovem se valorizasse:
aulas de dança do ventre para lidar com a sensualidade,
por exemplo. Ou lições de inglês, português
e espanhol baseadas na escrita e na leitura de cartas de amor.
Há um programa chamado "pronto-socorro das emoções";
meninos e meninas e meninas sentam-se em grupo para falar
de suas dores.
São apresentadas soluções capazes de
horrorizar a moral conservadora, mas que, na prática,
funcionam. Por meio de simulações, aprende-se
a colocar a camisinha no pênis do parceiro usando a
boca. "Aprendi essas técnicas com algumas prostitutas
que atendi em meu consultório. Foi o jeito que elas
encontraram para fazer seus clientes usarem camisinha sem
que percebessem", conta Albertina. Ensina que devem ser
vistos com reservas garotos que, por pressa, não querem
pôr a camisinha. "Digo a elas que homem muito apressado
não é um bom investimento sexual. Não
é bom de cama", brinca.
Técnicas desse tipo, assim como as pílulas,
passaram a ser vistas apenas como detalhes. A experiência
está mostrando que o essencial, portanto, é
que o jovem tenha um projeto de vida, conseqüência
do auto-respeito.
Projeto de vida significa, entre outras coisas, que todos
estejam na escola e pensando na faculdade e na carreira profissional.
Estabelece-se, portanto, a mesma lógica das adolescentes
de classe média, que planejam o tamanho de suas famílias
de acordo com as prioridades educacionais e profissionais.
A experiência da Casa do Adolescente dá ao pobre
um direito igual ao dos jovens mais ricos: o direito de saber
que filho antes da hora não é projeto de vida,
mas falta dele. E nisso concordam todos: do mais conservador
católico à mais radical líder feminista.
PS - Além do aumento da escolaridade entre as jovens,
a disseminação de experiências de atendimento
integral é uma das explicações para a
redução da gravidez na adolescência no
Estado de São Paulo. Prefeituras seguem o exemplo e
criam, em seus centros de saúde, programas para adolescentes.
Em todo o Estado, a gravidez atinge 17% das crianças
e adolescentes entre dez e 19 anos. A situação
ainda é ruim, mas mostra avanços. Em 1998, eram
148 mil partos. Esse número sofreu uma queda, em 2003,
para 109 mil, o que representa uma redução de
26%.
Coluna originalmente publicada na
Folha de S. Paulo, na editoria Cotidiano.
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