Quem está
em busca de soluções para a epidemia de violência
que se dissemina pelo país tem obrigação
de estudar a experiência desenvolvida em Diadema, na
região metropolitana de São Paulo. Ali funciona
um laboratório de segurança pública.
Vamos aos fatos.
Em 1999, Diadema estava em primeiro lugar no ranking de homicídios
do Estado de São Paulo, com uma média de 31
assassinatos por dia. Em 2004, essa média caiu para
11 por dia, ou seja, houve uma redução de 65%.
Com essa expressiva queda, a cidade baixou para o 18º
lugar na lista de homicídios. Caíram também
os índices de furto e assalto. Milagre? Não.
Apenas foi feita a lição de casa. Uma articulação
da prefeitura com o governo estadual, uma universidade, empresas
e associações comunitárias combinou policiamento
ostensivo com programas para reduzir o risco de delinqüência
juvenil.
Tudo começou porque a população de Diadema,
com seus 380 mil habitantes, estava no limite do desespero;
muitos empresários, cansados de tantos crimes, prometiam
mudar seus negócios para outras cidades.
O prefeito eleito em 2000 -o engenheiro José de Filipi,
do PT, reeleito no ano passado- reagiu ao desespero comprometendo-se
a dar ênfase, em sua gestão, à questão
da segurança. Tratou, então, de ir costurando
acordos, sem os quais uma prefeitura não conseguiria
nada no enfrentamento da violência.
A primeira medida polêmica veio por sugestão
de pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo.
Eles analisaram os arquivos policiais e mostraram que 60%
dos assassinatos ocorriam dentro de bares ou nas suas proximidades
e que a imensa maioria das vítimas ou os assassinos
tinham ingerido álcool.
Os bares foram obrigados a fechar depois das 23 horas, numa
espécie de lei seca. Não há novidade
nisso: em muitos lugares do mundo em que se fecharam bares
de noite (na Colômbia, por exemplo), a violência
diminuiu.
A prefeitura fez um mapa detalhado do horário e do
local dos crimes para concentrar esforços nas áreas
mais vulneráveis. Montaram-se operações
conjuntas com policiais militares, civis e municipais com
ênfase nas ruas mais violentas. A presença de
guardas municipais, que ganhou reforços, andando a
pé, de moto ou de bicicleta, tornou-se permanente nesses
bairros. A população passou a ter acesso a linhas
telefônicas para comunicar movimentos suspeitos.
O mapa do crime indicou que a maioria dos furtos e dos assaltos
eram cometidos por marginais que dirigiam motos. Resultado:
lançaram operações para pegar as motos
irregulares. Diminuiu-se a impunidade; bateram-se recordes
de prisão de criminosos.
Mais uma vez, nada de novo: a impunidade é um óbvio
estímulo ao crime, e o policiamento comunitário
é o melhor jeito de prevenir a delinqüência.
Com base no mapeamento dos jovens que cometiam crimes, a prefeitura
localizou as ações de inclusão em lugares
mais tumultuados. Obrigaram-se jovens a voltar para a escola.
Eles ganharam bolsas de R$ 150 mensais, além de atividades
culturais e esportivas depois das aulas e, enfim, estágios
em empresas. Cada um sai, por mês, por R$ 300.
Nesse projeto, entraram associações comunitárias
e empresários; reforçou-se também o uso
dos equipamentos culturais e esportivos da cidade. Alguns
desses espaços públicos são geridos pela
própria comunidade.
Não se realizou, assim, uma ofensiva generalizada,
mas se buscaram os pontos infecciosos.
Mais uma vez, nada de novo: mais educação para
jovens significa menos crimes.
Foco significa eficiência.
O que há de novo é a gestão. O plano
articula prevenção e repressão em focos
precisos. Não se atira a esmo; mira-se o alvo. A ofensiva
é administrada (e monitorada diariamente) por uma teia
de parcerias que envolvem os diversos pesquisadores da universidade,
passando pelo governo estadual, até a dona-de-casa
que se dispõe gratuitamente a zelar por um centro comunitário.
Eles têm menos crimes e mais empregos. Em 2004, Diadema
bateu o recorde de geração empregos industriais
em São Paulo. Há quem aposte (e com fundamento)
que a redução da violência ajudou na expansão
do emprego. É cedo para comemorar? É.
A experiência ainda está em andamento. Existem
nós gerenciais, muitos jovens ainda não recebem
a assistência necessária por falta de recursos.
Os índices de criminalidade baixaram, mas ainda estão
altos para padrões civilizados. Os resultados desse
laboratório, entretanto, são promissores.
PS - Esta coluna nasceu de uma provocação do
presidente da Febem paulista, Alexandre de Moraes, que se
mostrou intrigado com o fato de estar caindo rapidamente o
número de adolescentes presos em Diadema. É
muito mais barato, como se vê, prevenir a violência
do que remediá-la. Educar cada jovem nas áreas
de risco social em Diadema custa cerca de R$ 300 mensais.
Manter um jovem na Febem sai por R$ 1.700. Além do
preço, mais uma diferença óbvia: não
só o interno custa muito caro. Ele cometeu um assalto
ou matou alguém.
Coluna originalmente
publicada na Folha de S. Paulo, na editoria
Cotidiano.
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