Angela
De Marco suspeita que seu temperamento tenha sido moldado
pelo ano e pelo local em que nasceu: 1932, no bairro do Bexiga.
Nada a ver com a crença em influências astrológicas.
Naquele ano, os paulistas se rebelaram contra o governo central
e, isolados, foram derrotados. "Acho que tomei gosto
pela briga desde o berço." Com 73 anos e quase
tão solitária quanto os combatentes paulistas
de 32, Angela trava agora uma batalha particular.
No começo de 2004, ela liderou um grupo de idosos na
ocupação pacífica de uma casa abandonada
num terreno da rua do Sumidouro, próximo da marginal
de Pinheiros, exatamente em frente à editora Abril.
Há tempos desativada, aquela área serviu de
aterro sanitário e usina de incineração
de lixo. "Um desperdício", lamenta ela. Afinal,
existem ali frondosas árvores, que se prestam a dar
sombra a um estacionamento improvisado. Quase sem recursos
-"o dinheiro do bingo mal dá para pagar a faxineira"-,
ela ajudou a transformar o imóvel vazio num centro
de convivência para idosos. "Para fazer um baile,
temos de trazer nosso som."
Apesar de toda a falta de recursos, aquela movimentação
significava uma bandeira fincada no território conquistado.
"O melhor do velho é a experiência e o tempo
vago. Se ele não pode usar nem uma coisa nem outra,
está morto." No final do ano passado, surgiu como
uma bomba a notícia de que a prefeitura resolvera leiloar
o terreno. "Se venderem, vou ficar sentada aqui e quero
ver quem me tira", ameaçou Angela, que fez parte
do movimento para impedir a transação. Artistas
da região de Pinheiros, que planejavam transformar
a usina em um espaço cultural, entraram na guerra.
O movimento sensibilizou vereadores, autoridades e promotores
públicos. A reação surtiu efeito.
Eventuais compradores sentiram o clima e preferiram não
fazer lances no leilão. Pelo jeito, o terreno ficará
mesmo nas mãos da comunidade. Angela está usando
o tempo e a experiência para vencer a batalha e erguer
a primeira praça do país destinada apenas a
idosos. Talvez não seja uma guerra perdida.
O novo subprefeito de Pinheiros, Antonio Marsiglia, comprometeu-se
a manter o terreno para os idosos. A Secretaria Municipal
do Meio Ambiente dispôs-se a limpar as áreas
contaminadas. Um grupo empresarial e um colégio local
(Santa Cruz) decidiram oferecer atividades culturais e ensino
de internet.
Coluna originalmente
publicada na Folha de S. Paulo, na editoria
Cotidiano.
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