Ivete Mitiko tem uma dúvida
inusual para quem trabalha há 35 anos em escola pública
enfrentando as mais diversas dificuldades: não sabe
quando vai se aposentar nem se quer pedir a aposentadoria.
"Comecei a pensar que talvez eu sempre vá estar
no meio de alunos."
No início da década de 90, ela já tinha
desistido e planejava parar de trabalhar. Não suportava
mais as carências da educação pública.
"Estava cansada, tinha perdido a paciência."
Era diretora de uma escola estadual (a Rodrigues Alves) na
avenida Paulista, que, além dos problemas do dia-a-dia,
estava repleta de vazamentos e pichações; os
cupins iam-se apossando do espaço. Mitiko tentava em
vão que se fizesse uma reforma no prédio, tombado
pelo patrimônio histórico. "Sempre diziam
que não havia dinheiro."
Decidiu tentar, pela última vez, realizar a reforma
quando sentiu que seus vizinhos, muitos dos quais poderosas
empresas, se apiedaram daquele imponente prédio - única
escola pública em toda a avenida Paulista - que estava
caindo aos pedaços. "Preferi esperar um pouco."
Graças ao apoio de um banco, saiu a reforma da fachada
e, neste ano, preparam-se as melhorias internas. Empresas
decidiram apoiar melhorias do currículo, capacitar
professores e envolver os pais. Institutos culturais da vizinhança
ofereceram atividades extraclasse aos alunos. Estudantes da
faculdade Casper Líbero dispuseram-se a ajudar a Rodrigues
Alves a montar seu próprio jornal.
A escola se tornou uma das referências de integração
da comunidade com a educação pública
na cidade de São Paulo. "De repente, eu me senti
dentro um laboratório." Afinal, a riqueza da avenida
Paulista, com seus museus (Masp, por exemplo), teatros, cinemas
e centros culturais, passou a ser vista como uma extensão
da sala de aula.
Diante dessa mobilização, Mitiko acabou, no
ano passado, virando aluna. Começou a fazer um curso
de pós-graduação em pedagogia comunitária,
estudando experiências realizadas dentro e fora do Brasil
por escolas que transformam seu bairro ou sua cidade em espaços
de aprendizagem. "Eu me vi aprendendo, ao mesmo tempo,
na faculdade e na escola da qual eu sou diretora."
Lição: depois de 35 anos de magistério,
ela aprendeu que a melhor forma de gostar de lecionar é
sentir-se sempre uma aluna.
Coluna originalmente publicada na
Folha de S. Paulo, na editoria Cotidiano.
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