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.A descoberta de que 15 adolescentes
amigos de um dos filhos do presidente Lula transformaram o
Palácio do Alvorada em colônia de férias
paga pelo contribuinte virou, na semana passada, foco de irritação
em todo o país.
Por que um episódio insignificante, ocorrido em julho
do ano passado, ganhou ares de escândalo nacional? Simples:
tem diminuído a tolerância com mazelas e sinais
de deslumbramento oficiais, por menores que sejam.
Se a colônia de férias do Alvorada pode até
ser insignificante, a reação ao episódio
não o é. Vejamos algumas notícias divulgadas
na primeira semana do ano, todas capazes de mexer com o humor
do brasileiro.
Somos informados de que o governo resolveu aumentar impostos
de micro e pequenos empresários prestadores de serviços,
o que afeta centenas de milhares de cidadãos de classe
média para baixo. São pessoas que lutam para
se manter na formalidade, pagam seus impostos e se recusam
a trabalhar na clandestinidade.
O presidente da OAB-SP, Luiz Flávio Borges D'Urso,
em entrevista ao jornal "O Globo", reclamou do aumento
de impostos, ostentando dados espantosos. Segundo ele, nada
além de 3% da arrecadação tributária
federal converte-se em investimentos. Os 97% restantes, segundo
seus cálculos, são drenados para os juros da
dívida e para sustentar a máquina estatal.
Gosto sempre de repetir nesta coluna que um trabalhador de
classe média -esse mesmo que o presidente quer tungar
ainda mais- trabalha quase quatro meses por ano apenas para
o governo. Vejamos mais notícias da semana sobre como
é gasto o dinheiro arrecadado.
Soubemos na quarta-feira, graças a uma reportagem da
jornalista Marta Salomon, da Folha, que o governo federal
gastou, no ano passado, mais com o "AeroLula", o
novo avião presidencial, do que em saneamento ambiental
urbano. É bom lembrar, se é que alguém
não sabe, que esse tipo de investimento é importante
para a saúde dos habitantes das cidades.
Se forem calculadas as despesas com a renovação
da frota de aviões do governo, incluindo o "AeroLula",
chega-se ao valor de mais da metade dos gastos com as rodovias
federais.
Outra reportagem da Folha, no dia seguinte, informou que apenas
1% das metas do Programa Primeiro Emprego, uma das principais
promessas de campanha de Lula, foram atingidas. Prometeram-se
250 mil empregos, mas apenas 2.585 jovens conseguiram uma
vaga. O programa usou menos de 20% do orçamento que
lhe foi destinado no ano passado.
É mais um fato a exibir a dificuldade de gerência
das ações sociais do governo Lula. Já
tínhamos visto o desastre da gestão dos programas
de renda mínima; chegaram a ponto de não mais
fiscalizar se as crianças iam à escola, a contrapartida
para a obtenção da bolsa. Para justificarem
a prioridade ao Fome Zero, falaram em até 45 milhões
de famintos. Veio, então, uma pesquisa do IBGE que
apontava um número muito menor de pessoas nessa condição.
Em vez de comemorar a boa notícia, Lula preferiu, para
não perder a bandeira de marketing, queixar-se da pesquisa.
Trabalham-se quase quatro meses para o governo e a primeira
notícia do ano é o aumento de impostos. Verbas
sociais são desperdiçadas. Quase nada do dinheiro
arrecadado vai para novos investimentos. Alguns dos investimentos
são do tipo "AeroLula". Vivemos em cidades
violentas, congestionadas, onde as escolas e os hospitais
são ruins e crianças pedem esmolas em cada esquina.
Em São Paulo, por exemplo, as ruas estão esburacadas
-seu pavimento está repleto de verdadeiras (sem exagero)
crateras- e as enchentes começam, nesta primeira semana
de 2005, a inundar a cidade, como ocorreu mais uma vez na
sexta-feira. O milionário túnel da avenida Rebouças,
recém-construído, teve de ser fechado por causa
das águas.
A reação ao episódio da colônia
de férias dos ingênuos jovens que aproveitavam
os prazeres oficiais da família Lula da Silva pode
até ser exagerada, mas é forçoso concordar
que é, no mínimo, compreensível; aquela
diversão tem involuntariamente um suave toque de deboche
de "ilha da fantasia". O fato político relevante,
que muitos poderosos e seus familiares ainda não perceberam,
é a crescente consciência de como é usado
(e mal usado) o dinheiro público no Brasil. Daí
que, pode apostar, na próxima sucessão, vai
falar-se menos sobre em que gastar o dinheiro, afinal não
é novidade pregar o combate à miséria,
do que sobre como gastá-lo.
Por isso aquelas férias do Alvorada serão inesquecíveis.
PS - Na minha avaliação, Lula, na média,
não está indo mal, haja vista os indicadores
econômicos e a aprovação de algumas reformas
no Congresso. Se conseguisse na área social o desempenho
que, apesar de todos os percalços, está mostrando
na área econômica, ganharíamos muitos
anos no combate à pobreza.
Coluna originalmente publicada na
Folha de S. Paulo, na editoria Cotidiano.
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