Demorou que Davi Ribeiro Paiva,
de 14 anos, migrante alagoano, acreditasse que sairia uma
fotografia daquela lata tão comum. Mas saiu. "Parecia
coisa mágica."
A técnica é banal, conhecida com "pinhole".
Revestida de preto e tapada com papel fotográfico,
a lata recebe um pequeno furo, coberto com fita adesiva escura.
Puxa-se o adesivo e pronto: entra a luz, trazendo a imagem
que vai aparecer, aos poucos, quando o papel estiver mergulhado
em produtos químicos para revelação.
"Quase não acreditei no que via." Para Davi,
foi bem mais do que a primeira foto que tirou em toda a sua
vida.
Ele chegou a São Paulo faz um ano -exatamente o tempo
em que não fala com o pai. "Meu pai sofre de alcoolismo,
o que o deixa muito violento. Por isso minha mãe saiu
de Alagoas e veio viver em São Paulo." Pelas ruas,
acompanha a mãe, uma catadora de papel.
Davi quer estudar, mas não consegue. Os supletivos
só aceitam alunos com idade superior a 14 anos. Como
é analfabeto, não consegue se matricular numa
escola pública. Para que o garoto tivesse uma ocupação
(e não ficasse zanzando pelas ruas sem fazer nada),
um educador ensinou-lhe a técnica do "pinhole".
Levou-o a passear pela cidade para escolher as imagens. Munido
da lata, o menino escolheu tirar, do alto de um prédio,
a foto de uma praça.
Ao ver o resultado no papel, a primeira imagem que lhe veio
à cabeça não foi a da praça, mas
a de seu pai. "Gosto muito dele, ele é sangue
do meu sangue." Seu pai é fotógrafo de
rua em Maceió. Pensou logo em mandar a foto, acompanhada
de um bilhete escrito à mão, em que falasse
sobre como funciona a máquina de lata. "É
para ele ver que eu aprendi a escrever." Não tem
idéia do novo endereço do pai nem sabe escrever.
Alfabetizar-se é seu projeto prioritário para
2005. Não vai mandar a foto da praça. Nada o
impressionou tanto em sua estada na cidade como os vitrais
do Mercado Municipal, atravessados pelos raios de sol. Essa
foi a imagem que ele se propôs a captar e a enviar a
seu pai para falar do seu encantamento por São Paulo.
Até lá, Davi já terá saído
do anonimato e conseguido fazer uma exposição.
É que, nesta semana, ao lado de outros meninos e meninas
iniciantes em "pinhole", está mostrando suas
fotos, fixadas nas paredes de um café da Vila Madalena.
Coluna originalmente publicada na
Folha de S. Paulo, na editoria Cotidiano.
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