O jornalista Ricardo Kotscho participou
em 1975 de uma equipe de reportagem que exporia os bastidores
da Corte, ao mostrar os benefícios de funcionários
públicos. Então a palavra mordomia entrou e
nunca mais saiu do vocabulário do brasileiro. Seria
seu batismo com os bastidores da vida brasiliense. Nada comparável,
em intensidade, à experiência que realizou ao
se tornar secretário de Imprensa de Lula, cargo que
decidiu abandonar no início deste mês.
Sua principal lição jornalística dessa
experiência agora terminada: "Dizem que Brasília
é uma ilha da fantasia, por causa de uma suposta vida
fácil dos funcionários públicos".
Essa é a imagem que ele ajudou a moldar nos tempos
da abundância de recursos públicos da década
de 1970, quando o país não parava de bater recordes
de crescimento econômico. "Não é
mais assim. Os funcionários perderam muitas de suas
regalias, o salário se deteriorou. Mas a ilha da fantasia
continua."
Continua, segundo ele, por outros motivos, sem relação
com as regalias funcionais. "Na condição
de secretário de Imprensa, eu vivia sendo questionado
pelos jornalistas sobre o fundamento de rumores e de supostas
notícias. Muitos dos rumores tinham fundamento, mas
a maioria era fantasia, coisa inventada e propagada pelos
gabinetes. Isso era o dia inteiro." Essa vocação,
segundo ele, faz parte do ambiente de poder.
Sua saída do governo, diz ele, seria cercada de fantasias.
"Saí porque minha mãe morreu, fiquei abalado
e quis estar mais próximo de minha família.
Não houve brigas nem rompimentos."
Brasília serviu também para desmontar as fantasias
de Kotscho —segundo ele, o ponto mais importante de
sua experiência. "Vi como é difícil
mudar. Não basta a vontade nem a competência.
Antes de morar aqui, não tinha idéia dessa dificuldade."
Um fato em especial lhe transmitiu essa lição.
"Senti a dor de Lula na questão do salário
mínimo. Eu também achava que, lá em cima,
poderíamos dar um aumento e tive de me convencer de
que algo que sempre achamos fundamental não pode sair
tão facilmente do papel." O que mudou em sua atitude:
"A partir de agora, vou ser mais compreensivo diante
das limitações do poder". E, se possível,
assistindo a tudo mais próximo da família e
menos de Brasília.
Coluna originalmente publicada na
Folha de S. Paulo, na editoria Sinapse.
|