Foram gastos na semana passada milhões em publicidade oficial para mostrar
como se economiza dinheiro público.
Sob o slogan de "déficit zero", o governo
de Minas comemorou, com alarde, a redução de
seu rombo orçamentário. Há quase dois
anos, o déficit era de R$ 2,4 bilhões e, graças
a uma série de cortes e racionalizações
de gastos usando métodos empresariais, chegou-se a
zero.
O marketing não deu uma boa lição de
economia: uma alquimia desse porte de transformação
de dívida em ouro teria naturalmente tanto impacto
que os meios de comunicação a transformariam
em notícia, sem custo. É possível que
tenha dado uma lição melhor sobre o futuro do
país.
Tentar fazer desse plano um assunto popular, conversa de
botequim, por meio da propaganda é uma pista de que
surge, no país, um novo olhar do eleitorado: o interesse
por gestão. Se o esforço do governo de Minas
vai continuar até o final do mandato e significar melhorias
sociais (no fundo, o que importa) ainda é cedo para
saber. Até lá, só podemos dar, no máximo,
um crédito de confiança e reconhecer que é
uma inovação na cultura do "faz" da
política brasileira.
Cultura do "faz" significa obras; quanto mais reluzentes
melhor no horário eleitoral. Gestão é
processo, é algo quase abstrato, que pode ser um diferencial.
Promessas de redenção social viraram arroz-de-festa
e ninguém consegue se diferenciar mais dizendo que
é sensível aos mais pobres. Todos apresentam,
com pequenas variações, o mesmo discurso. Gastar
melhor os escassos recursos e fazer funcionar a máquina
administrativa, ou seja, métodos de gestão,
concorre para ser cada vez mais um dos atrativos eleitorais.
O tema gestão foi um dos ingredientes, entre tantos,
para explicar a vitória de José Serra. Ele se
apresentou (e vai de agora ter de provar) capaz de administrar
melhor, economizado e racionalizando despesas e receitas.
É um dos pontos fortes, pelo menos em termos de imagem,
de Geraldo Alckmin, principal padrinho eleitoral do futuro
prefeito de São Paulo. Lembremos porém, que,
como o governador mineiro Aécio Neves, o governador
de São Paulo sabe o valor da publicidade para promover
seu governo, como, aliás, vimos nas eleições.
A opinião pública está cansada de pagar
tantos impostos e receber tão pouco de volta. Chegamos
ao ponto de saturação; a informalidade da economia
assume ares de desobediência civil. O eleitor rende-se
ao culto do "faz", mas parece simpatizar mais com
o governante que parece agir como uma dona-de-casa contanto
os centavos e evitando desperdícios -é assim
que a maioria dos brasileiros vive.
Um dos mais sérios problemas de Lula está justamente
na gestão. Na semana passada, prosseguia a crônica
crise da área social, com saída de técnicos
do alto escalão. É curioso como o PT, com tantas
e tão bem-sucedidas práticas sociais nas cidades,
fez de seu ponto forte sua maior fragilidade, devido a uma
questão menos de dinheiro do que gerencial.
É assim que desapareceu a campanha da fome, que a
cada semestre o Ministério da Educação
muda de prioridade, que o Ministério da Cidades tenha
pouco a dizer, que não se tenham exigido contrapartidas
como freqüência escolar aos programas de renda
mínima, que o programa para o primeiro emprego não
venha produzindo empregos, e por aí vai.
Lula fez o mais difícil, que não era a especialidade
do PT: assegurou estabilidade econômica e está
colhendo os frutos em aumento do emprego. Não fez o
mais fácil: gerir melhor os programas sociais. Corre
o risco de pagar caro por isso nas próximas eleições.
Governantes estão acostumados a lançar programas
e não monitorá-los. Sem isso, não existe
avaliação para medir se atingem sua meta. Essa
esculhambação terá menos espaço.
O grande avanço na educação brasileira,
no caso, foi a criação nos últimos dez
anos de medidas para avaliar o aprendizado. É que basta
para desfazer o otimismo oficial, embora se reconheçam
avanços. Esses parâmetros estão se difundindo
em toda a área social.
A boa notícia é que se desenvolve no país
uma cultura de monitoramento e avaliação, estimulada
por economistas interessados em políticas sociais públicas.
O que hoje é assunto quase restrito a meios acadêmicos
e de Terceiro Setor tende, lentamente, a se disseminar. Num
encontro inédito, reuniram-se em São Paulo,
na semana passada, estudiosos de dentro e fora do Brasil para
discutir como calcular matematicamente impactos econômicos
de políticas sociais. O objetivo é exibir fórmulas
para se saber o retorno em dinheiro para cada centavo investido
em políticas sociais.
Nos últimos tempos, tivemos uma série de marcos
nas decisões administrativas: a volta da democracia
para regular os conflitos, a disciplina orçamentária
(Lei da Responsabilidade Fiscal) para controlar a inflação,
o consenso sobre investimentos sociais, em especial educação,
para melhorar a competitividade brasileira e reduzir a desigualdade.
Estamos no limiar de mais um novo ciclo: o culto à
gestão. Talvez por perceber essa tendência e
ter um governador presidenciável, Minas preferiu fazer
alarde publicitário e não trabalhar em silêncio,
ao vender a idéia de que está transformando
dívida em ouro. Se é pirita, que é o
ouro dos tolos, logo vamos saber.
PS- A interminável crise de gestão social de
Lula é a prova de uma antiga máxima da política:
muitas vezes, os amigos dão mais trabalho do que os
inimigos.
Coluna originalmente publicada na
Folha de S. Paulo, na editoria Cotidiano.
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