|
Para quebrar o silêncio,
perguntei ao motorista que me levava a Santa Rita do Sapucaí,
sul de Minas, quais eram os problemas daquela cidade, em que
ele morava. "Ah, doutor, lá tem um problema danado
de falta de trabalhador." Como era muito cedo e eu estava
sonolento, pensei que não tinha ouvido direito a resposta,
que certamente seria "falta de trabalho".
Em instantes, percebi que não era engano. O motorista
queixava-se de que Santa Rita não progredia mais porque
os empresários não dispunham de mão-de-obra
suficiente para ampliar seus negócios.
Aquela pequena cidade de 35 mil habitantes vem investindo,
há cinco décadas, no ensino de eletrônica
e, depois, telecomunicações. Projetaram-se empresas
de alta tecnologia, que demandam trabalhadores mais sofisticados.
Uma única empresa, criada em parceira com um grupo
asiático, precisava, naquele mês da minha visita,
400 funcionários e encontrava dificuldade de recrutá-los.
Foi naquele cenário bucólico de alta tecnologia
que se produziu, por exemplo, a urna eletrônica, admirada
mundialmente.
Existem espalhados pelo país centros de inovação,
a exemplo do pólo de tecnologia de Santa Rita, que
aprenderam a driblar juros altos, carga de tributos pornográfica,
burocracia lerda, falta de verbas oficiais. Alguns desses
centros remodelam, a partir do conhecimento, comunidades inteiras.
É o país longe de Brasília.
Na quinta-feira passada, o país de Brasília
estava tomado pelas intrigas do poder, com a queda de Carlos
Lessa da direção do BNDES. Falava-se das brigas
entre ministros e assessores, alguns deles voltando para casa;
falava-se também de uma nova reforma no primeiro escalão
do governo. Como pano de fundo, claro, a sucessão presidencial
de 2006.
Naquele mesmo dia, ficamos conhecendo a até então
anônima Maria das Graças Pomaceno. Vítima
de um derrame, submeteu-se a uma experiência com células-tronco
conduzida por cientistas e médicos da Universidade
Federal de Rio de Janeiro. Vimos como muitos de seus movimentos
puderam ser recuperados pelo efeito do transplante das células,
que refizeram parte de seu cérebro danificado.
Quem se liga apenas no Brasil oficial deve ter achado que
as mudanças no governo eram as notícias mais
relevantes do dia, talvez do mês ou do ano. Mas não
se comparam em importância, o que é óbvio,
ao andar de Maria das Graças, que trouxe atenção
mundial à medicina brasileira. Sabe-se da falta de
verbas que os cientistas e médicos que conduziram a
experiência enfrentaram.
A chance de o país ter um futuro inovador depende mais
da capacidade de se disseminarem as ilhas de inovação
que fazem Maria das Graças andar ou Santa Rita inventar
um jeito de fazer uma eleição melhor do que
dos acordos ou desacordos dos gabinetes oficiais. O ímpeto
inovador é sufocado justamente pelo peso do poder público,
com seus impostos, burocracias e falta de continuidade dos
programas.
A crise do petróleo está criando no país
uma monumental chance de geração de riquezas
-e, de novo, surgem ilhas de inovação. Inventou-se
no país um carro capaz de usar vários tipos
de combustível. Isso implica a possibilidade de usarmos
mais gás, aproveitando de gigantescas reservas recém-descobertas,
mais álcool ou até, no futuro, apenas biodiesel.
Isso significa ao mesmo tempo empregos, divisas e, para completar,
menos poluição.
Já existem ônibus rodando apenas com óleos
vegetais (mamona, soja, dendê), cujos motores foram
criados em universidades.
Há no pais 460 cidades que se especializaram na produção
de determinados produtos e, para continuar se expandido e
ganhando mercados, fazem parcerias com o setor público
e estimulam a geração de conhecimento. É
o que se chama de "arranjos produtivos locais".
É assim que muitas cidades, como Franca (calçados),
São José dos Campos (aviação)
e Nova Friburgo (moda íntima), entram em disputados
mercados internacionais.
Em Santa Rita, existe a seguinte química: a prefeitura
oferece galpões para incubadoras, entidades empresariais
(Sebrae, por exemplo) dão consultorias de gestão
e o governo federal, através do Ministério das
Comunicações, e o governo estadual apóiam
com dinheiro.
Quando o governo está a serviço do empreendedorismo
e da inovação, não há possibilidade
de erro. É quando ficamos mais para as maravilhas de
Maria das Graças do que para intrigas da corte.
PS - Por falar em mundo oficial, estamos assistindo em São
Paulo a um devastador processo de paralisação
da máquina pública devido à carência
de recursos. Falta dinheiro até para as creches. Enquanto
isso, o futuro prefeito, José Serra, consegue desviar
sua energia para ficar cuidando da direção nacional
do PSDB. São Paulo é grande demais e tem muitos
problemas para que um prefeito não lhe dedique total
atenção.
Coluna originalmente publicada na
Folha de S.Paulo, na editoria Cotidiano.
|