Há 21 anos, o romeno Lucian
Rogulski percorre a pé diariamente, muitas vezes à
noite, o trajeto entre seu apartamento, no largo do Arouche,
e o Teatro Municipal, onde é o primeiro violinista
da Orquestra Sinfônica. Em todo esse tempo, conseguiu
a proeza de nunca ser assaltado em seu cotidiano de andarilho.
"Eu me sinto em casa andando pelas ruas do centro."
A partir desta sexta-feira, ele se sentirá, nas ruas
do centro, não em casa, mas numa sala de concerto:
participará da experiência de transformar o viaduto
do Chá num auditório de execuções
de música erudita.
Com 68 anos de idade, Lucian está acostumado a mudanças
de ambiente. Saiu da Romênia e fixou-se em Teerã,
sempre como violinista.
A agitação política do Irã, com
seus fundamentalistas religiosos, nada interessados na cultura
ocidental, levou-o à Alemanha, onde foi o primeiro
violinista da Orquestra Municipal de Heidelberg.
Até que foi convidado a tocar com a mulher (violinista)
e a filha (violoncelista) na Orquestra Sinfônica do
Teatro Municipal. No Brasil, a família virou o Trio
Rogulski.
"Sempre quis morar fora da Europa, mas não sabia
que iria me adaptar tão bem a São Paulo. Esta
cidade me lembra muito algumas cidades romenas." Adaptou-se
tanto que passou a estudar músicas indígenas
e a tocá-las em seu violino.
A combinação exótica dos acordes eruditos
com a tradição indígena fez com que ele,
ao lado de sua atual mulher, a cantora Marlui Miranda, fizesse
excursões pela Europa.
Ele foi convidado a sair do silencioso do teatro e a misturar-se
ao caos urbano nas próximas festas de final de ano.
Ao lado de outros músicos eruditos e de uma cantora,
fará apresentações instalado em um balcão
do shopping Light com vista para o vale do Anhangabaú.
O tumulto sonoro parece não incomodá-lo. "A
vantagem de tocar na rua é que vemos os olhos das pessoas,
o que é quase impossível no teatro. A platéia
quase sempre está no escuro." Tocar ali tem um
significado especial devido ao trajeto familiar de 21 anos,
sempre percorrido a pé -prática inusual entre
os habitantes de São Paulo, reféns do carro.
"Acho que vou me sentir como se estivesse tocando para
vizinhos no quintal de casa."
Coluna originalmente publicada na
Folha de S. Paulo, na editoria Cotidiano.
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