Pela primeira vez na história do Brasil, os cidadãos não
terão dificuldade de calcular quanto pagam em impostos.
Desde quarta-feira passada, podemos calcular gratuitamente,
sem necessidade de conhecimento de legislação
tributária, os dias trabalhados apenas para manter
o governo funcionando.
A operação é simples. Entra-se numa
página da internet (www.contribuintecida
dao.com.br) e digitam-se uns poucos dados como renda,
patrimônio, número de dependentes e gastos mensais.
Se você, por acaso, for um chefe de família com
dois filhos e ganhar cerca de R$ 4.000 por mês, vai
saber que trabalha 156 dos 365 dias de um ano apenas para
o governo.
Desenvolvida pela Associação Comercial de São
Paulo e pelo Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário,
essa calculadora cívica tem para a eficiência
governamental relevância incomparavelmente maior do
que o debate travado, na semana passada, entre Lula e Fernando
Henrique Cardoso.
De olho na sucessão presidencial, Fernando Henrique
Cardoso fez seu mais duro ataque contra o PT, no geral, e
contra Lula, em particular. Sem meias palavras, chamou o governo
de "incompetente". A declaração provocou
um monumental tumulto, como era esperado.
Passamos a semana ouvindo argumentos sobre quem é
mais competente ou incompetente. Lula, por exemplo, voltou
a falar na "herança maldita" (e com boa dose
de razão) e Fernando Henrique atacou a gerência
sofrível dos programas sociais de Lula (também
com boa dose de razão).
Do ponto de vista de quem paga impostos (ou seja, todos os
brasileiros), a calculadora cívica não seria
favorável a Fernando Henrique Cardoso -em seus oito
anos de mandato, a carga tributária cresceu expressivamente,
ou seja, mais dias trabalhados para o governo. Lula ainda
não fez nada para diminuir o peso dos impostos, pelo
contrário.
O fato óbvio (e, para percebê-lo, não
precisamos de nenhuma calculadora) é que pagamos cada
vez mais impostos e os serviços públicos são,
em geral, ruins. É natural que, nos segmentos mais
informados da população, aumente a irritação.
Uma boa medida dessa irritação ocorreu no final
da semana passada, na cidade de São Paulo. Uma forte
chuva provocou enchente num dos túneis. Inaugurado
às pressas antes das eleições -ainda
não se concluíram as suas calçadas-,
o tal túnel custou R$ 80 milhões. Somou-se à
indignação de ver danificada uma obra tão
cara, a descoberta de que a prefeita Marta Suplicy estava
relaxando em Paris, bem longe dos problemas da cidade, agravados
por uma monumental crise financeira.
A reação da opinião pública foi
tão violenta que integrantes da cúpula do PT
chegaram a apostar que Marta deixou em Paris suas chances
de se candidatar ao governo de São Paulo. É
mais um governante que não ficaria bem no teste da
calculadora; afinal, em sua gestão, aumentaram-se como
nunca os impostos municipais.
Uma indicação do serviço público
insatisfatório está em outra revelação
da semana passada: os resultados do Exame Nacional do Ensino
Médio, que ficaram abaixo dos 50 pontos. A maioria
dos alunos, por exemplo, não conseguiu construir argumentos
consistentes sobre um assunto, o que revela grave deficiência
de aprendizado.
O detalhamento dos resultados ainda não está
disponível, mas sabe-se que a situação
ficaria ainda pior se se separassem os testes das escolas
públicas dos das privadas. Numa escola privada de qualidade,
a nota do Enem gira em torno de 80%.
Todos os anos, vemos pesquisas revelarem que, se a escola
privada não é a maravilha que os pais imaginam,
as públicas conseguem ser piores. É só
medir o nível de aprendizado em língua portuguesa
ou em matemática.
O amadurecimento político do Brasil não se reflete
no bate-boca entre Lula e Fernando Henrique Cardoso, mas na
incorporação ao cotidiano dos cidadãos
de indicadores sobre o desempenho socioeconômico do
país -entre os quais as notas dos alunos em testes
como o Enem. Mede-se também pela relação
custo-benefício, ou seja, quanto se paga aos governos
e quanto se recebe de volta.
Daí que idéias simples como a calculadora de
imposto ajudam bem mais a desenvolver nos cidadãos
o hábito de cobrar competência aos poderosos.
PS - Muitas das críticas de FHC à gerência
do governo Lula são corretas; o próprio Lula
não está satisfeito com o desempenho de seus
programas sociais. Mas o tom usado nas críticas, mais
adequado a uma campanha eleitoral, arranha um dos maiores
patrimônios do ex-presidente: ser uma referência
acima dos partidos. A nostalgia do poder não faz bem
nem para FHC nem para o país. Ele deveria reconhecer
que a estabilidade econômica assegurada pelo PT, revelando
um notável aprendizado, é um dos maiores sinais
de amadurecimento do país. Bons resultados, neste final
de ano, são conseqüência desse aprendizado.
Coluna originalmente publicada na
Folha de S. Paulo, na editoria Cotidiano.
|