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REFLEXÃO


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folha de s. paulo
05/12/2004
www.incompetencia.com.br

Pela primeira vez na história do Brasil, os cidadãos não terão dificuldade de calcular quanto pagam em impostos. Desde quarta-feira passada, podemos calcular gratuitamente, sem necessidade de conhecimento de legislação tributária, os dias trabalhados apenas para manter o governo funcionando.

A operação é simples. Entra-se numa página da internet (www.contribuintecida dao.com.br) e digitam-se uns poucos dados como renda, patrimônio, número de dependentes e gastos mensais. Se você, por acaso, for um chefe de família com dois filhos e ganhar cerca de R$ 4.000 por mês, vai saber que trabalha 156 dos 365 dias de um ano apenas para o governo.

Desenvolvida pela Associação Comercial de São Paulo e pelo Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário, essa calculadora cívica tem para a eficiência governamental relevância incomparavelmente maior do que o debate travado, na semana passada, entre Lula e Fernando Henrique Cardoso.

De olho na sucessão presidencial, Fernando Henrique Cardoso fez seu mais duro ataque contra o PT, no geral, e contra Lula, em particular. Sem meias palavras, chamou o governo de "incompetente". A declaração provocou um monumental tumulto, como era esperado.

Passamos a semana ouvindo argumentos sobre quem é mais competente ou incompetente. Lula, por exemplo, voltou a falar na "herança maldita" (e com boa dose de razão) e Fernando Henrique atacou a gerência sofrível dos programas sociais de Lula (também com boa dose de razão).

Do ponto de vista de quem paga impostos (ou seja, todos os brasileiros), a calculadora cívica não seria favorável a Fernando Henrique Cardoso -em seus oito anos de mandato, a carga tributária cresceu expressivamente, ou seja, mais dias trabalhados para o governo. Lula ainda não fez nada para diminuir o peso dos impostos, pelo contrário.

O fato óbvio (e, para percebê-lo, não precisamos de nenhuma calculadora) é que pagamos cada vez mais impostos e os serviços públicos são, em geral, ruins. É natural que, nos segmentos mais informados da população, aumente a irritação.
Uma boa medida dessa irritação ocorreu no final da semana passada, na cidade de São Paulo. Uma forte chuva provocou enchente num dos túneis. Inaugurado às pressas antes das eleições -ainda não se concluíram as suas calçadas-, o tal túnel custou R$ 80 milhões. Somou-se à indignação de ver danificada uma obra tão cara, a descoberta de que a prefeita Marta Suplicy estava relaxando em Paris, bem longe dos problemas da cidade, agravados por uma monumental crise financeira.

A reação da opinião pública foi tão violenta que integrantes da cúpula do PT chegaram a apostar que Marta deixou em Paris suas chances de se candidatar ao governo de São Paulo. É mais um governante que não ficaria bem no teste da calculadora; afinal, em sua gestão, aumentaram-se como nunca os impostos municipais.

Uma indicação do serviço público insatisfatório está em outra revelação da semana passada: os resultados do Exame Nacional do Ensino Médio, que ficaram abaixo dos 50 pontos. A maioria dos alunos, por exemplo, não conseguiu construir argumentos consistentes sobre um assunto, o que revela grave deficiência de aprendizado.

O detalhamento dos resultados ainda não está disponível, mas sabe-se que a situação ficaria ainda pior se se separassem os testes das escolas públicas dos das privadas. Numa escola privada de qualidade, a nota do Enem gira em torno de 80%.
Todos os anos, vemos pesquisas revelarem que, se a escola privada não é a maravilha que os pais imaginam, as públicas conseguem ser piores. É só medir o nível de aprendizado em língua portuguesa ou em matemática.

O amadurecimento político do Brasil não se reflete no bate-boca entre Lula e Fernando Henrique Cardoso, mas na incorporação ao cotidiano dos cidadãos de indicadores sobre o desempenho socioeconômico do país -entre os quais as notas dos alunos em testes como o Enem. Mede-se também pela relação custo-benefício, ou seja, quanto se paga aos governos e quanto se recebe de volta.

Daí que idéias simples como a calculadora de imposto ajudam bem mais a desenvolver nos cidadãos o hábito de cobrar competência aos poderosos.

PS - Muitas das críticas de FHC à gerência do governo Lula são corretas; o próprio Lula não está satisfeito com o desempenho de seus programas sociais. Mas o tom usado nas críticas, mais adequado a uma campanha eleitoral, arranha um dos maiores patrimônios do ex-presidente: ser uma referência acima dos partidos. A nostalgia do poder não faz bem nem para FHC nem para o país. Ele deveria reconhecer que a estabilidade econômica assegurada pelo PT, revelando um notável aprendizado, é um dos maiores sinais de amadurecimento do país. Bons resultados, neste final de ano, são conseqüência desse aprendizado.


Coluna originalmente publicada na Folha de S. Paulo, na editoria Cotidiano.

   
 
 
 

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