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Quando a notícia chegou
à escola, no final do mês passado, pais, alunos
e professores não sabiam a quem pedir ajuda -nem tinham
mesmo muita gente a quem apelar.
O governador Geraldo Alckmin e a prefeita Marta Suplicy, duas
das principais autoridades de São Paulo, já
tinham entrado em acordo. Depois de 66 anos de existência,
a escola estadual Martim Francisco seria demolida. "Fiquei
desnorteada, sem saber o que fazer", conta Syrlene Castro,
mãe de um dos alunos. Como os demais pais, Syrlene
temia que, um dia, tivessem de enfrentar a cobiça imobiliária.
A escola fica num terreno de 10 mil metros quadrados, no bairro
nobre da Vila Nova Conceição, com uma privilegiada
vista para o parque Ibirapuera. Por causa desse visual, apartamentos
são vendidos na região por até R$ 5,5
milhões.
Os alunos, pais e professores não imaginavam, porém,
que a batalha seria agora e que estariam em tamanha desvantagem.
Ficaram ainda mais desnorteados quando souberam que teriam
pouco tempo para reagir. Já estava circulando na Câmara
Municipal um projeto que, encaminhado pela prefeita, era apoiado
pela maioria dos vereadores.
Apesar de ser estadual, a escola está num terreno municipal.
Alegando que faria um bom negócio para a cidade, a
prefeita pediu-o de volta. Avaliada em R$ 30 milhões,
a área seria trocada por um terreno de um grupo empresarial
próximo da periferia da cidade, onde se construiriam
conjuntos habitacionais.
O governo estadual concordou com a troca e ainda forneceu
documento que informava que a escola tinha baixa freqüência
de alunos, o que justificaria sua demolição.
"A escola está lotada", rebate Syrlene, apoiada
pelos demais professores.
Quem iria, porém, prestar atenção àquele
pequeno grupo de pais, alunos e professores, quando a população
já vive as festas de final de ano e a cidade vive problemas
tão graves como redução da coleta do
lixo, falta de dinheiro para creches e atraso no pagamento
do programa de renda mínima? A perspectiva de fechamento
e a derrota para a especulação imobiliária
acenderam uma faísca na Martim Francisco.
Ex-alunos prontificaram-se a ajudar. Alunos saíram
pedindo ajuda pelas ruas do bairro, onde moram pessoas influentes
na cidade. Professores entraram em contato com os sindicatos
estaduais e municipais de educação. Eles passaram
a visitar diariamente vereadores em busca de adesões.
Ganharam, de imediato, o apoio do presidente da Comissão
de Educação da Câmara, Eliseu Gabriel.
"Fiquei comovido quando uma das mães, chorando,
me pediu o telefone do governador. Ela disse que, se falasse
com ele, conseguiria convencê-lo", diz Eliseu,
que a advertira de que não seria tão fácil
falar com o governador.
Um grupo de nove vereadores do PT sensibilizou-se com o caso
e comprometeu-se a tentar derrotar o projeto. Nos bastidores,
corretores imobiliários enviavam informações
de que o preço do terreno da escola estaria subestimado
e o do terreno da periferia, que seria dado em troca, superestimado.
"Não foi apenas um, mas vários os corretores
que levantaram dúvidas sobre o valor dos terrenos",
conta o vereador Nabil Bonduki, do PT, especialista em questões
habitacionais.
Diante dessas adesões, os pais, professores e alunos
da Martim Francisco ficaram otimistas. Mais vereadores se
mostravam sensíveis ao fechamento da escola, onde,
aliás, também funciona um sofisticado centro
de saúde. Moradores da Vila Nova Conceição
resolveram-se a ajudá-los. A essa altura, o Ministério
Público decidira entrar na batalha. Anunciou que, mesmo
que eventualmente aprovado o projeto, promotores públicos
tentariam anular, na Justiça, a decisão.
Todos estavam otimistas na noite da terça-feira passada,
no plenário da Câmara. Decepção.
A maioria dos vereadores aprovou a venda da escola; nem pareciam
incomodar-se com os protestos. A platéia mesclou silêncio
com revolta e choro.
No dia seguinte, os pais, alunos e professores voltaram à
luta, já que estava marcada, para quinta-feira, mais
uma sessão. Tinham esperança de que ainda pudessem
alterar o resultado, convencendo uns poucos vereadores a mudar
de opinião.
Na quinta-feira, dois dias antes do Natal, não veio
o presente tão esperado. Apesar da pressão,
a Câmara decidiu extinguir a escola. Mas ficou para
sempre, pelo menos naquele grupo de pais, alunos e professores,
uma lição de solidariedade. Talvez tenha sido
a melhor lição da escola em seus 66 anos de
existência.
PS - Caro leitor, apesar de ser judeu, é impossível
para mim não ficar envolvido pelo clima de compreensão
e solidariedade deste período do ano. Essa pequena
história provinciana de uma escola lutando para sobreviver
conta sobre o espírito do Natal mais do que a profusão
do consumo.
Coluna originalmente publicada na
Folha de S. Paulo, na editoria Cotidiano.
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