Crianças com menos de oito
anos correm o risco de vir a apresentar tumores no ouvido
se usarem telefones celulares por muitas horas. Divulgada
na semana passada pelo Conselho Nacional de Proteção
Radiológica do Reino Unido, depois de uma série
de pesquisas, a advertência espalhou-se pelo mundo.
Por ocasião do anúncio, exigiu-se a adoção
de medidas imediatas, como a obrigação de que
todos os celulares estampem o aviso sobre o perigo das radiações.
Temendo processos, um fabricante suspendeu a comercialização
de seu modelo de celular infantil.
Tumores no ouvido provocados pelo uso de um telefone são
mais um aspecto dos novos tipos de vulnerabilidade a que está
exposto o mundo infantil. Foi-se o tempo, nas grandes cidades
brasileiras, em que os medos infantis eram representados apenas
por figuras imaginárias e em que as ruas eram o melhor
espaço para brincadeiras.
Não é ingenuamente que os pais presenteiam
suas crianças com um telefone celular. Por causa da
violência, particularmente dos seqüestros, os pais
querem ter seus filhos conectados permanentemente; acabam,
assim, transmitindo a eles a sua própria insegurança.
Para aperfeiçoar essa conexão, empresas oferecem
a implantação de chips nas crianças,
que, dessa maneira, podem ser facilmente detectadas por satélite.
Pode ser exagero, mas a insegurança tem base sólida
na realidade: na cidade de São Paulo, por exemplo,
ocorreu no ano passado uma onda de seqüestros de crianças.
A violência é uma das razões para explicar
outra vulnerabilidade infantil contemporânea: a "epidemia"
de obesidade. Trata-se de um fenômeno mundial que vem
alastrando-se pelo Brasil. Além de as ruas estarem
dominadas pelos automóveis e as calçadas terem
sido destruídas, meninos e meninas sentem-se receosos
de sair de casa. Passam boa parte do tempo na frente da televisão
ou do computador, empanturrando-se de alimentos de baixo valor
nutritivo.
A própria noção de brincadeira está
mudando. Pais zelosos imaginam que fazer os filhos estudarem
cada vez mais cedo vai ajudá-los num mundo competitivo.
A agenda de estudantes de classe média assemelha-se
à de executivos, tamanho o número de compromissos.
Tira-se, assim, espaço do encantamento lúdico,
fundamental para o desenvolvimento infantil.
Vivemos um momento em que os pais estão inseguros
em relação não apenas à violência
mas também à maneira de educar os filhos.
Nos dias de hoje, pai e mãe trabalham e ficam fora
de casa, o que aumenta a taxa de estresse do casal. Para compensar
a própria ausência, dão presentes aos
filhos e impõem menos limites: estimula-se, assim,
nas crianças a dificuldade de lidar com a frustração
e a baixa tolerância às perdas. Dessa maneira,
surgem os pequenos tiranos, que vivem entre a fartura material
e a carência emocional.
Mesmo os professores estão inseguros sobre a melhor
forma de educar. Sabem que o sistema tradicional de ensino
não responde à rapidez das inovações
da sociedade e têm dúvidas (refiro-me aos educadores
sérios) sobre o modo de ensinar estudantes em tempos
de tanta velocidade, em que o conhecimento se torna tão
rapidamente obsoleto. O desemprego é mais um dos fantasmas
que passaram a figurar no imaginário infantil.
Toda essa vulnerabilidade tem um preço. Educadores,
médicos e psiquiatras vêm alertando sobre os
sinais de crescimento do número de casos de distúrbio
mental entre crianças, vítimas de ansiedade,
de hiperatividade, de distúrbio de atenção
e de depressão. Isso significa aumento do risco da
disseminação das drogas.
Muitas vezes, nem os pais nem as escolas estão preparados
para perceber ou para enfrentar esses sinais e acabam apenas
dificultando o que já é difícil.
Futuro melhor significa a chance de todos, adultos e crianças,
reaprenderem a brincar.
PS - Devo estar ficando velho. Para mim, a imagem da criança
não é a de alguém preso a um computador.
É, antes, a de alguém que tinha mais coisas
a fazer do que ficar esquentando o ouvido num telefone. Infância,
para mim, são meninos e meninas subindo em árvore,
jogando bola na rua, molhando-se na chuva, tomando banho de
esguicho, vendo as águas do rio, descobrindo o movimento
de uma minhoca repartida. A imagem a que me refiro não
é a de obesos, mas a de crianças sujas, com
roupas rasgadas, com joelhos ou cotovelos machucados. Aprendi
que os homens que nunca envelhecem são aqueles que
não param de brincar com a vida. Talvez seja saudosismo,
mas vejo em muitas crianças um jeito queixoso de velho,
que deve vir de não saberem mais brincar.
Coluna originalmente publicada na
Folha de S. Paulo, na editoria Cotidiano.
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