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Entre 1980
e 2004, foram cometidos 700 mil assassinatos no Brasil; o
homicídio tornou-se a principal causa de óbito
entre jovens; na cidade de São Paulo, ocorrem, em média,
140 seqüestros relâmpagos por mês. Já
era tempo de termos aprendido alguma coisa com essa guerra
civil não-declarada. Pelo jeito, estamos, enfim, aprendendo.
Nas esferas federal, estadual e municipal, desenham-se políticas
públicas para os jovens. São os primeiros resultados
de uma pregação de educadores e ativistas em
direitos humanos, iniciada solitariamente no final da década
de 80, para convencer as autoridades de que, diante da epidemia
de violência, deveriam ser implementados, em escala
nacional, programas focados na juventude. Apenas a repressão,
advertia-se, não iria funcionar, como não está
funcionando.
Basta ver alguns dos programas lançados para constatar
que há algo de novo na agenda social brasileira.
Lançado neste ano e resultado da unificação
de projetos nos mais diversos ministérios, o Pró-Jovem
oferece uma ajuda em dinheiro, a ser administrado pelos prefeitos,
para quem se dispuser a estudar ou a realizar ações
comunitárias. O alvo geográfico são capitais.
Criou-se uma Secretaria Nacional da Juventude, para a qual
foram chamados respeitados especialistas na questão.
Também na esfera federal, o Prouni dá a chance
de gratuidade em faculdades privadas. Em São Paulo
e Goiás, funciona esse tipo de proposta, com a diferença
(mais engenhosa) na contrapartida: em troca das bolsas, os
universitários prestam serviços. Isso tem ajudado
a viabilizar, em São Paulo, a abertura de escolas nos
fins de semana: os universitários são tutores.
Abrir escolas para a comunidade, como mostram estudos da Unesco,
tem ajudado a disseminar a cultura de paz em bairros violentos.
Em todo o país, cursinhos pré-vestibulares,
a maioria deles em regiões periféricas, passaram
a ter financiamento público. Em São Paulo, um
programa apresentado neste mês oferece dinheiro para
o jovem que se dispuser a fazer supletivo nos fins de semana.
O Ministério da Saúde apresentou neste mês
um plano de ampliação do acesso a métodos
anticoncepcionais, inclusive com maior oferta de cirurgias
de esterilização. O governo federal está
criando uma comissão (e a discussão, nesse caso,
já é um avanço nesse nível) para
descriminalizar o aborto. Cerca de 1 milhão de mulheres,
a maioria delas adolescentes, submetem-se a abortos clandestinos.
Não é pouca coisa mexer nesse tópicos,
especialmente complexos numa nação católica.
Com o apoio dos secretários estaduais da Educação,
o Ministério da Educação lançou
um projeto de financiamento do ensino básico (Fundeb).
De acordo com o projeto, asseguram-se mais recursos para crianças
de idade entre quatro e seis anos e, ao mesmo tempo, os jovens
são beneficiados, já que são previstas
mais verbas para o ensino médio. Todos sabemos que
tão importante para o desenvolvimento social de um
país como a redução do desemprego e o
aumento dos salários é a melhoria da educação.
O resto, inclusive esse cipoal de bolsas, são apenas
remendos.
Um dos principais cenários da violência juvenil,
a cidade de São Paulo desenvolve experiências
que merecem observação. Marta Suplicy realizou
ações inovadoras em sua gestão, ao mapear
e apoiar manifestações culturais, muitas das
quais alternativas, da juventude paulistana -o grafite e o
hip hop, por exemplo. José Serra dará seqüência
a isso e chamou para coordenar seus programas na área
Luciana Guimarães, uma das fundadoras do Sou da Paz,
movimento que organiza programas de educação
contra a violência.
O Sou da Paz faz parte da galeria de inventos, cada vez mais
abundantes, de protagonismo juvenil. Lida com artes, meio
ambiente, esportes, cultura, tecnologia e geração
de renda, áreas nas quais o jovem é chamado
a opinar e a construir, discutindo seu projeto de vida.
Poucas coisas simbolizam mais o valor da educação
do que a transformação do Carandiru de presídio
em espaço de formação de jovens; o lugar
que antes era uma prisão passa a ser um espaço
de libertação.
É cedo para comemorações. Muitos dos
programas ainda engatinham e o dinheiro é ínfimo
diante das necessidades. São raros os casos de articulação
das diversas esferas do poder; elas sofrem da praga da fragmentação.
Não há monitoramento e avaliação;
projetos são interrompidos em decorrência das
mudanças no governo. Melhorar o nível de ensino
é um esforço de décadas, com o treinamento
contínuo de professores e o envolvimento das famílias
e da comunidade, além da implementação
das mudanças curriculares.
A novidade, porém, é que o jovem veio para ficar
na agenda e está moldando um novo olhar sobre o desenvolvimento
social brasileiro.
PS - A mania de inventar a roda é uma praga. Se em
vez de lançar o fracassado Primeiro Emprego, Lula tivesse
apoiado o que já existe -a lei de aprendizagem-, muito
mais adolescentes estariam aprendendo uma profissão
nas empresas. Não se entende por que, no Prouni, não
se reproduziu a fértil idéia de exigir dos universitários
favorecidos a contrapartida em serviços comunitários.
Ganharíamos, numa tacada, 100 mil servidores públicos.
Agora, Lula ressuscita o assistencialista Projeto Rondon,
quando poderia apoiar o Universidade Solidária, programa
que funciona bem e está baseado no conceito contemporâneo
de desenvolvimento sustentável.
Coluna originalmente
publicada na Folha de S. Paulo, na editoria
Cotidiano.
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