Guilherme
Bara, 27 anos, nunca aceitou a cegueira. Não quis usar
bengala e optou por desafios difíceis mesmo para quem
enxerga normalmente. Pratica rapel, rafting e corridas de
longa distância, como a São Silvestre. Era normal
que também se achasse em condições não
só de freqüentar escolas de samba mas também
de ajudá-las a desfilar melhor-e conseguisse.
Quando começou a gostar do Carnaval, não distinguia
nenhuma cor. Apenas percebia, no máximo, vagas silhuetas
em contraste com clarões de luz. Por sofrer de retinose
pigmentar, doença que provoca falta de irrigação
nas células da retina, foi perdendo pouco a pouco a
visão. Aos 15 anos, estava quase totalmente cego.
Isso não o impediu de fazer faculdade de administração
e de presidir o grêmio estudantil da escola. "Mantive
as lembranças das imagens, o que me ajuda muito."
Guilherme foi convidado pela Secretaria Estadual de Cultura
a desenvolver oficinas de teatro, dança, música
e artes plásticas para portadores de deficiência
visual. Mas também não quis ficar restrito ao
mundo da deficiência. "Foi só aí
que me apaixonei pelo Carnaval."
Soube que as sedes das escolas de samba ficavam vazias na
maior parte do ano. Propôs então que fossem ocupadas
com aulas para crianças e adolescentes de dança
afro, bateria, mestre-sala e porta-bandeira, violão
e cavaquinho. Nasceu assim o projeto Barracão. "Era
um jeito de manter as crianças e adolescentes ocupados
aprendendo coisas úteis para suas vidas e ajudar na
profissionalização das escolas." Os professores
contratados são da própria comunidade.
A experiência começou há dois anos, com
15 barracões. Agora são 40 deles envolvidos
no projeto, que neste ano deve ganhar a melhor sede possível.
Como a prefeitura acaba de decidir transformar o sambódromo
em espaço complementar às escolas de ensino
fundamental e médio da região, que são
povoadas de grupos carnavalescos, foi natural que o Barracão
fosse chamado a se instalar no local.
Guilherme está aceitando cada vez mais a cegueira.
"Demorou para eu me convencer de que minha doença
não tinha cura." Neste ano, começou a ensaiar
o uso de bengala. "Vai ser melhor", conforma-se.
É difícil, porém, conformar-se, ele mesmo
admite, em não poder ver nos desfiles das mais diferentes
escolas de samba o rosto dos muitos meninos que seu projeto
ensinou a tocar e a dançar. "Dá para imaginar
a emoção deles." Afinal, ele próprio
estava, neste ano, em cima de um um carro alegórico.
"Aprendi que a beleza é vista pelos olhos interiores."
Coluna originalmente publicada na
Folha de S. Paulo, na editoria Cotidiano.
|