Carregado
de expectativas, esse pessoal vai fazer cada vez mais barulho.
Tanto quanto Geisy com sua roupa
Por trás da minissaia de Geisy Arruda existe o surgimento
de um novo poder no país, com especial intensidade
nas regiões metropolitanas. Talvez isso explique parte
da repercussão do escândalo: as classes C e D
serão, muito em breve, maioria nas universidades. A
estudante apareceu no noticiário cotada para posar
na revista "Playboy", participar de um anúncio
de lingerie e ser a estrela principal de um filme erótico.
Os debates envolvem os mais variados temas: violência,
machismo e intolerância, indicadores universitários,
pedagogia. E, claro, moda: inspirou um curso de história
da moda na sofisticada Casa do Saber. Mas o que me chama atenção
é o contexto em que surge Geisy: o do crescimento veloz
das matrículas dos mais pobres no ensino superior.
É mais veloz do que se imagina.
Com base em questionários socioeconômicos dos
testes públicos, uma consultoria especializada em ensino
superior (Hoper) estima que, em 2012, haverá mais alunos
das classes C e D do que A e B nas universidades brasileiras.
De 2004 a 2008, a classe C produziu mais de 343 mil universitários
-um crescimento no período de 84%. Na classe D, a evolução
foi de mais de 333 mil, o que significa 52%. Estamos falando
aqui de 676 mil brasileiros, com altas expectativas.
"Para a maioria deles, a faculdade é uma espécie
de porta da esperança. Muitos são os primeiros
a entrar no ensino superior em toda a família",
afirma Ryon Braga, diretor da Hoper, que realiza frequentes
pesquisas qualitativas para entender o que pensa e sente esses
brasileiros. São indivíduos que, em geral, vêm
das escolas públicas, têm ainda maiores carências
educacionais e baixo repertório cultural. Mas têm
a força dos sobreviventes.
A Uniban pode estar muito longe do topo de qualidade de ensino,
mas Geisy, ao ser expulsa, transmitiu a sensação
de que tinha perdido uma chance de futuro, embora nem seu
curso se destaque nos rankings do MEC nem ela tenha demonstrado
ser uma aluna aplicada.
Ela se celebrizou pelos dotes físicos, mas quem ouviu
com atenção suas entrevistas viu que soube defender
com propriedade seus direitos -é a esperteza de quem
junta capacidade de articulação com as dificuldades
cotidianas. Entre os mais pobres, dissemina-se a percepção
correta de que cada ano de escolaridade corresponde a um salário
menor e uma chance mais reduzida de desemprego.
Somem-se o aumento de renda da classe C, a queda no valor
das mensalidades e programas como o ProUni para se entender
essa mudança na paisagem humana. O mercado está
cada vez mais de olho nesses movimentos. Formado em administração,
Caio Romano criou uma empresa de marketing (Mundo Universitário)
para fazer a ponte entre as empresas e os campi.
Ele percebe que, nos últimos anos, as empresas se mostram
muito interessadas -algumas até de mais- em exibir
seus produtos em uma escola povoada por estudantes da classe
C e D. "É alguém que, em breve, será
em maior número e terá mais dinheiro do bolso",
afirma Caio. Por isso, mais publicitários tentam entender
e focar seus projetos nesse público. "Um universitário,
por mais pobre que seja, aumenta seu padrão de consumo
ao tomar contato com mais informações."
Tenho testemunhado, há vários anos, como eles,
em geral, demonstram mais garra do que os mais ricos, dispondo-se
a trabalhar de noite e estudar de dia. Saem perdendo não
só por causa do baixo repertório educacional
e cultural, mas especialmente pela falta de uma rede de contatos.
Como já comentei, muitos dos que conseguem entrar nas
melhores faculdades públicas e enfrentar suas deficiências
apresentam desempenho melhor do que a média.
Carregado de expectativas, esse pessoal vai fazer cada vez
mais barulho. Tanto quanto Geisy com sua minissaia.
PS - O papel da sociedade é cobrar cada vez mais qualidade
das faculdades. Mas cuidado com o preconceito: o ensino superior,
mesmo do jeito que está, é uma evolução
na paisagem social. É melhor mais quatro anos de escolaridade
numa faculdade ruim do que apenas o diploma de ensino médio.
Coloquei em meu site (www.dimenstein.com.br) mais detalhes
sobre a evolução das classes C e D nas universidades
brasileiras.
Trecho da coluna Folha de
S. Paulo, editoria Cotidiano.
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