Projeto
de João Quesado de fechar a Paulista e criar uma "ciclovia
fotográfica" ficou ontem novamente no papel
O migrante João Quesado, nascido em Serrita, próximo
de Exu (PE), cultiva desde 2005 o projeto de fechar parte
da avenida Paulista e criar uma "ciclovia fotográfica".
A data deveria ser 22 de setembro, quando se comemora o Dia
Sem Carro. "Nem que seja por 30 minutos", conta.
Seria o auge da visibilidade de seu misto de hobby com protesto:
fotografar bicicletas em suas viagens. Chegou até a
encomendar um esboço da intervenção para
arquitetos.
Mas ainda não reuniu forças para tomar parte
da rua. No Dia Sem Carro comemorado ontem, a ideia ficou,
mais uma vez, no papel. Mas não desistiu: "Sei
que seria expulso, mas valeria a pena."
A ideia é fazer painéis, espalhados na rua,
com centenas de suas fotos de bicicleta. "Seria esse
o meu jeito de protestar por uma cidade mais civilizada."
Quesado sentiu na pele a agressividade das ruas, com seus
impacientes carros. Quando chegou a São Paulo, estava
com 36 anos e tinha o sonho de ser fotógrafo profissional.
Para sobreviver, entregava panfleto no semáforo, algumas
vezes fantasiado de Chaplin e Michael Jackson. Tentou até
se locomover de bicicleta. Menos por questões ambientais
do que por falta de dinheiro. Naqueles tempos, morava de favor
com um grupo de teatro de rua que, por sua vez, invadira um
imóvel abandonado. Quase uma tragédia. Ele se
acidentou e acabou internado no hospital. A internação
foi uma das inspirações que teve para defender
as bicicletas.
Ironicamente, ele começou a realizar seu sonho profissional
graças ao automóvel.
Conseguiu uma vaga de assistente de Du Ribeiro, fotógrafo
publicitário especializado em automóveis. Sua
paixão pelo design automobilístico o levou a
produzir ensaios de arte sobre os antigos modelos americanos
que rodam por Havana e, em breve, serão transformados
em livro. "Era minha chance", conta Quesado, que,
no primeiro dia de trabalho como assistente, se dispôs
a simplesmente lavar os carros.
Du logo percebeu talento em seu assistente, com quem iria
trabalhar por 16 anos. "Ele tinha uma vontade enorme
de aprender e de trabalhar", lembra o publicitário.
Quesado acabou seguindo carreira solo e ganhando seus próprios
clientes, inclusive fotografou automóveis.
A prosperidade levou-o a conhecer diversas cidades do mundo,
como Paris, Nova York, Barcelona, Amsterdã, Berlim,
Veneza, Florença e outras, no interior brasileiro.
Mudavam as paisagens, mas a bicicleta era seu foco obrigatório.
Fechar a Paulista pode parecer um delírio. Mas, quando
deixou o Nordeste, com pouco estudo, quase nenhum dinheiro
e uma família com 11 filhos, também lhe disseram
que ser fotógrafo profissional em São Paulo
era um delírio tão delirante como ficar num
sinal fantasiado de Charles Chaplin.
PS- Enquanto a ciclofaixa fotográfica não sai,
coloquei neste
link uma coleção das imagens das bicicletas.
Pegando uma carona, coloquei também algumas fotos do
ensaio de Du Ribeiro em Cuba, que vai virar livro.
Coluna originalmente publicada na
Folha de S. Paulo, editoria Cotidiano.
|