Um projeto
nos anos 60 sugeria que as marginais se tornassem uma área
de lazer equivalente a dez parques Ibirapuera
No final dos anos 60, a paisagista Rosa Klias preparou um
plano para a Prefeitura de São Paulo sugerindo que
as margens dos rios Pinheiros e Tietê se transformassem
em uma área de lazer do tamanho aproximado de dez parques
Ibirapuera.
Seria, portanto, o maior parque urbano do mundo, inspirado
em várias cidades da Europa e dos Estados Unidos que
reverenciavam seus rios. "Eu imaginava, em toda aquela
extensão, famílias fazendo piquenique, crianças
brincando, jovens praticando esportes náuticos",
conta Rosa, que, quando criança, apreciava quase todos
os dias o Tietê sentada num bonde no seu trajeto até
a escola. O rio era, então, uma paisagem bucólica,
na qual jovens nadavam ou remavam.
Quando, na semana passada, ela viu pela televisão o
desastre da estação do metrô, lembrou-se
de um de seus maiores lamentos profissionais -sua incapacidade
de evitar a tragédia ecológica em que se transformaram
os rios Tietê e Pinheiros.
Ela sustentava, ao apresentar o projeto, que não
seria necessário canalizar o rio se fosse preservada
uma razoável parte da várzea, sem cimento, capaz
de amenizar as enchentes. "Talvez seja só um sonho
de paisagista. Mas acho que, com um parque dessa proporção,
São Paulo seria hoje muito diferente."
Numa cidade que reverenciava o automóvel como símbolo
da modernidade e em que as empreiteiras mandavam (e mandam)
nos políticos, o projeto feito por Rosa foi arquivado
sem maiores debates. O que aconteceu a partir dali todos sabem:
pistas expressas cada vez mais congestionadas. A Ceagesp ajudou
a atulhar a região com milhares de caminhões,
deteriorando os bairros do entorno. Só foi aumentando
o esgoto despejado nos rios.
Uma amostra do sonho de Rosa saiu do papel. É visível
graças a Ruy Ohtake, um dos maiores arquitetos brasileiros.
Ruy conseguiu convencer o governo estadual, no final dos
anos 70, a evitar uma parte da canalização do
Tietê, mantendo seu traçado original. Dirigiu-se
ao então governador Paulo Egydio Martins e disse: "Como
arquiteto e cidadão, não posso ficar calado
diante desse atentado."
O argumento emplacou. Não só não canalizaram
um trecho, a partir das proximidades do estádio do
Corinthians, como construíram as pistas mais longe
do rio. Surgiu, assim, o parque Tietê, um paraíso
ecológico paulistano. Vivem por lá aves raras.
"Fico só pensando como viveríamos melhor
se esse parque não fosse apenas um trecho, mas um cinturão
verde em boa parte da cidade."
Em meio à dolorosa lembrança do projeto arquivado,
Rosa, assim como Ruy Ohtake, pelo menos conseguiu fazer sobreviver
um pedaço de seu sonho. Há três anos,
estavam prestes a cimentar as margens do Tietê nas obras
de aprofundamento de sua calha. Preferiram, porém,
fazer dali um jardim -e, então, chamaram a paisagista
para escolher as árvores. "Cidade que não
respeita seus rios não se respeita", diz ela.
E a tragédia do metrô é apenas um fragmento
desse desrespeito.
Coluna originalmente publicada na
Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.
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