Não existe um único indicador social
brasileiro que tenha melhorado tanto em tão pouco tempo. De
1995 até 2004 -menos de dez anos, portanto-, o número de adultos
matriculados em cursos supletivos de ensino médio no Estado
de São Paulo cresceu 1.490%. Houve um salto de 29.944 para
466 mil alunos.
Só na rede estadual são 127 mil pessoas acima de 30 anos;
41 mil delas já passaram dos 40 anos de idade. Esse diploma
é, em tese, para ser obtido por adolescentes.
Esse grupo de brasileiros está em mundo tão distante dos mais
variados tipos de mensalão, dos privilégios conferidos à casta
de políticos e burocratas da administração pública quanto
das diferentes versões de uma "Daslu", simbólicos do que é
acessível apenas às elites. Mas são aqueles estudantes retardatários
-usando o tempo vago, de noite ou aos finais de semanas-,
que revelam o que há de melhor em nossa riqueza humana.
Embora em menor grau, a tendência se dissemina em todo o país:
5,7 milhões de brasileiros, a maioria deles trabalhadores,
buscam recuperar o tempo perdido e fazem cursos supletivos
de ensino fundamental e médio.
Enquanto os poderosos, seja pela sonegação de impostos, seja
pela roubalheira e desperdício com recursos públicos, inventam
diversas fórmulas para ganhar dinheiro fácil, existe um movimento
de proporções ainda desconhecidas de indivíduos que não querem
mensalinhos ou seja, os programas de renda mínima -e apostam
no saber como o único jeito de prosperar.
A conseqüência política desse movimento é visível na pesquisa
CNT/Sensus, divulgada na semana passada, em que o prestígio
de Lula apareceu intocado, apesar de todo o noticiário negativo.
Olhando o levantamento, em detalhes, a conclusão não é tão
simples.
À medida que aumenta a escolaridade do entrevistado cai o
apoio ao presidente. Quem acompanha essa crise sabe que, diante
da série de denúncias, existem duas opções: 1) Lula sabia
e foi conivente; 2) Não sabia e não estava preparado para
governar, tamanhas e tantas as suspeitas de pessoas que lhe
eram tão próximas.
Nas duas hipóteses, seu prestígio sai arranhado. Só permanece
intocável graças à ignorância da população. Há estatísticas
ainda praticamente desconhecidas sobre nossa paisagem humana.
De acordo com dados de 2003, 74% dos jovens entre 18 e 24
anos, no Estado de São Paulo, têm ou tiveram acesso ao ensino
médio. Entre os 20% mais pobres, essa taxa já é de 47%; em
1993, era de apenas 16%. É um aumento de 200%. Note-se que
estamos falando dos mais pobres. Cruzando dados de matrículas
escolares e populacionais, esse índice na cidade de São Paulo
está em aproximadamente 85%.
Descontando a qualidade, são níveis de nações desenvolvidas.
Em todo o país, a média é menor, mas, no período de 1993 a
2003, cresceu 55%. Entre os 20% mais pobres é de 27%, numa
evolução, no período, de 230%.
No nível anterior ao médio, o ensino fundamental exibe patamares
ainda melhores; no Brasil é 85,2% entre pessoas que têm de
15 a 17 anos; no Estado de São Paulo, 93%. Isso significa
que o analfabetismo (pelo menos o formal) praticamente está
eliminado entre os jovens.
Todos esses números querem dizer várias coisas. Duas delas:
1) Existe uma crescente massa de brasileiros, especialmente
jovens, com enormes expectativas e demandando melhor qualidade
de ensino e postos de trabalho mais qualificados. 2) Quanto
maior o centro urbano, melhor a escolaridade e mais crítico
o cidadão.
A pesquisa CNT/Sensus mostra que Lula vai especialmente pior
quando se junta escolaridade com municípios de maior porte.
Ele vai assegurando seu maior prestígio no interior, notadamente
em áreas rurais, entre as pessoas de menor escolaridade.
A dúvida é saber até que ponto essa base, frágil, garante
a reeleição do presidente ou a sua sustentação. Trabalhadores
estudando à noite ou nos finais de semana -ou seja, melhor
formados e informados- tendem a reagir com cada vez mais irritação
aos desmandos com dinheiro público.
Isso é o que ajuda a explicar, pelo menos em parte, como
uma Daslu, com tantos amigos influentes, e um PT, a personificação
de poder, têm tantas dificuldades por causa da fiscalização.
Repito: esses fatos não revelam um país pior, mas melhor,
mais articulado, logo com mais demanda por transparência.
Essa é uma das traduções possíveis dos 5,7 milhões de adultos
brasileiros estudando à noite ou nos finais de semana em busca
do tempo perdido.
PS- Quem não levar em conta que, numa cidade como São Paulo,
o ensino médio está praticamente universalizado, levando a
cada vez mais jovens às universidades, nunca vai entender
o Brasil que está surgindo.
Coluna originalmente
publicada na Folha de S.Paulo na editoria
Cotidiano.
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