Como
um lugar, numa das regiões mais violentas de São
Paulo, consegue ostentar taxa de zero assassinato
Nenhum morador do distrito do Alto de Pinheiros foi assassinado
no semestre passado, o que faz dali um oásis de segurança
na cidade de São Paulo. É uma região
de alto poder aquisitivo, tem uma distância razoável
de favelas e dispõe de policiamento ostensivo público
e privado. Algumas de suas ruas foram fechadas para estranhos,
protegidas por guaritas. Nos finais da tarde, jovens se reúnem
na praça do Pôr-do-Sol: cantam, namoram ou ficam
em silêncio contemplativo. Essa paisagem dá ao
bairro um ar de acolhimento provinciano.
Compreensível que um bairro desses (onde, aliás,
moram José Serra e seu oponente derrotado na última
eleição, Aloizio Mercadante) seja relativamente
seguro. Mais difícil é explicar como um lugar,
numa das regiões mais violentas da cidade e cercado
de várias favelas, consegue ostentar a mesma taxa de
zero assassinato do Alto de Pinheiros.
É o caso da favela Monte Azul, vizinha de áreas
que já figuraram não só entre as mais
selvagens da cidade ou do Brasil mas também do mundo.
No início dos anos 90, o policial Reinaldo Correa estava
acostumado a investigar casos de assassinatos cometidos por
e contra moradores da favela. "Isso acabou, e faz tempo
que não sei de nenhum assassinato. E nem de casos de
violência grave", diz ele, hoje responsável
geral por todas as delegacias da zona sul. As estatísticas
oficiais ainda revelam baixa incidência de furtos e
roubos.
O que acontece ali auxilia o eleitor a não se deixar
enganar por candidatos a presidente e a governador.
A eficácia das propostas de educação,
assistência social, saúde e segurança
dos candidatos a esses cargos depende das articulações
de baixo para cima. O que, quase nunca, está explicitado
nos programas de campanha, pois o candidato, para manter a
força da promessa, quer mostrar mais poder do que terá.
Daí os planos parecerem generalidades.
Pegue-se o caso do Bolsa Família: sua eficiência
está atrelada, em larga medida, aos programas complementares
de educação e geração de renda
que existirem no plano micro. Só assim o beneficiário
não ficará viciado no dinheiro oficial e terá
como ganhar autonomia.
Já está mais que provado que a qualidade da
escola pública está associada, além de
à excelência dos professores, ao envolvimento
dos pais e da atenção à comunidade.
O que, afinal, acontece na Monte Azul?
Em 1979, professores ligados à pedagogia Waldorf começaram
a desenhar na favela uma rede de proteção. Abriram
berçário, creche, pré-escola de período
integral, com alimentação e assistência
médica.
Criou-se um centro da juventude, com biblioteca, para ajudar
nas pesquisas e lições de casa. Os jovens têm
acesso a teatro, música, informática, capoeira,
terapia e pintura. Lançou-se, depois, uma série
de cursos profissionalizantes em informática e eletrônica
e toda uma rede de aprendizado e negócios ligados à
reciclagem dos mais diversos materiais.
Surgiram um ambulatório voltado especialmente à
medicina preventiva, com princípios da antroposofia,
e um centro cultural. Ensinaram-se aos moradores noções
de saneamento, construção civil e limpeza de
córregos -todas as melhorias são feitas em mutirões.
"Nessas circunstâncias, o policiamento comunitário,
no qual há a confiança e proximidade entre indivíduo
e policial, funciona muito bem", diz Reinaldo.
A melhor medida da segurança está num só
fato inusitado. Alunos de classe média alta da escola
Waldorf passam, uma vez por ano, uma semana dormindo na Monte
Azul, para ter vivência com a diversidade.
Não há segredo nessa experiência. Compartilhar
o conhecimento, seja para a saúde, a cultura e o esporte,
seja para o desenvolvimento escolar e profissional, cria uma
rede de confiança entre as pessoas, fazendo-as ter
perspectiva. Todos se sentem, enfim, respeitados. Esse "artesanato"
só se realiza, de fato, a partir de pequenos núcleos
bem gerenciados.
Vi esse fenômeno ocorrer em vários bairros de
Nova York, o que contribuiu para que seu índice de
homicídios voltasse ao nível de 1963. É
exatamente o que acabo de testemunhar em Bogotá e Medellín,
duas das mais violentas cidades do mundo, onde a taxa de homicídios
caiu, respectivamente, 80% e 90%.
Nova York, Bogotá, Medellín e Monte Azul prestam-se
como um guia para medir a seriedade das propostas sociais
de um candidato. Se não estiver previsto como o dinheiro
que sai do presidente e do governador vai ser administrado
localmente, a chance de desperdício é enorme,
para não dizer inevitável.
Redução
da violência na comunidade Monte Azul (SP) e na Colômbia
Violência
cai na cidade de São Paulo
Coluna
originalmente publicada na Folha de S.Paulo,
editoria Cotidiano.
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